Batendo os pinos

Num carnaval, acho que lá dos confins de oitenta e três, Altamiro deu de bater pino. Andava a falar ao vento, chutar pedras na calçada e discutir com o gato porque o felino comia demais.

- Assim não dá Irineu! Está comendo mais que lima novo. Dá um tempo, se não acabamos por debaixo da ponte e aí, nem você, nem eu.

Era um bom homem o Altamiro. Filho adotivo de um casal sem outros filhos. Trabalhador; um tanto cabeça dura, contudo, de bom coração, dedicado e atencioso com os pais. Mais de um metro e oitenta montados em uma estrutura pouco dotada de elegância. Porém, do que faltava em classe, abundava em força. Quando abria uma porta quase arrancava a maçaneta. Tinha os cabelos quase pretos com uma franja patética que quando caia sobre a testa atrapalhava a visão. Com isso, adquiriu o cacoete de girar o rosto rapidamente à direita para livrar os olhos da cortina. Então, beirando aos trinta, a barriga pronunciava uma protuberância difícil de disfarçar. Na verdade, não se preocupava muito com isso. Não era fadado aos tratos da aparência, tampouco aos cuidados mais básicos. Não associava o desleixo ao fato de não arrumar namorada.

- Essas meninas são umas burras mesmo. Onde se viu a Odete, preferir o Osório a mim, só porque rasga uma conversa mole e anda com aquelas roupinhas de grã-fino.

Na verdade, quando se declarou à moça disse a ela as vantagens que ele tinha por ser assim grande e forte e que não o desprezasse, pois, poderia se arrepender. Lembrou-a dos favores que lhe fazia, por exemplo, carregar as sacolas de compra do supermercado.

Osório conquistara Odete pelo fino trato e porque tinha o jeito do homem que a mulher gosta de exibir. Quando falava, dizia frases românticas construídas com palavras que a faziam sentir-se linda e desejada. Demais, vestia-se com requintes de elegância, com a camisa sempre por dentro da calça, enquanto que Altamiro mais parecia um cafajeste, mal arrumado e se não bastasse, nunca usava meias. Outros concorrentes lhe tiraram outras chances como foi com Maria, Hortência, Clara e Geraldina. Mesmo assim, sua cabeça dura nunca admitiu mudar de conduta.

Um dia, conheceu Dorinha.

- Que mulher mais bonita que é essa! – pensou. Tenho que arrumar coragem, mesmo que emprestada.

Dorinha parecia que tinha o rei na barriga. Só comia o que era fina iguaria. Andava de nariz empinado e olhava as pessoas de cima para baixo como a medir-lhes a altura. Apresentava-se como a filha do prefeito antes de dizer o próprio nome, mas, uma coisa era certa e isso Altamiro sabia: era linda. Namorados, não teve muitos, no entanto, todos da aristocracia. Onde Altamiro a conheceu? Boa pergunta. Qual ambiente seria comum a tão diferentes seres entre si? Ora, na festa de casamento de dois também diferentes, mas, que não faziam conta disso. Renato, amigo de Dorinha e Luíza, prima de Altamiro.

O problema dos simplórios é que não têm noção da distância social em que alguns se colocam dos outros; e a distância que Dorinha achava que havia entre ela e a ralé da noiva era de um ano-luz. Se tivesse notado Altamiro, não seria capaz de calcular. Entretanto, lá foi Altamiro a conjecturar. A moça, sequer olhou em seus olhos quando Luíza os apresentou. Aliás, na ocasião, fez pouco caso até da noiva e fingiu motivo para se afastar dali.

Desde então, Altamiro pôs-se a dialogar apenas com Irineu, o gato; Mademoiselle, a galinha e Alexandre, o sabiá. Dorinha se soubesse disso, não riria o riso debochado, ao contrário, espumaria de raiva, pois, na imaginação do rapaz era ela a fiel companheira que o ajudava a cuidar desses bichos.