636-O BAMBUAL DE JECA TATU-
— Ô de casa!
— Ô de fora!
Dona Benta respondeu ao cumprimento antes mesmo de levantar os olhos da página de “As Aventuras de Marco Polo”. Reconheceu a voz e levantou-se de vez, aproximando-se da janela.
— Seu Jeca! Mas que surpresa! Vamos entrando!
Jeca já havia passado pelo portão da cerca baixa que emoldurava o jardim da entrada e impedia que os canteiros de flores fossem ciscados pelas galinhas soltas ao redor da casa do Sítio do Pica-pau Amarelo. Subiu os quatro ou cinco degraus e chegou até a varanda.
— Bom dia, Dona Benta!
Após apertarem as mãos, seguiu-se um abraço, que dona Benta gostava mesmo era de abraçar as pessoas.
— Bom dia, seu Jeca! Mas bom dia mesmo! — ela respondeu, entre risos e sorrisos. — Mas, então? Que novidade é essa? Todo nos trinques assim cedo? Vi para alguma festa?
— Tou indo pra cidade e...
— Mas vamos sentar. Parece que o senhor anda bem ocupado.
Os dois sentaram-se nas cadeiras com almofadas, colocadas no alpendre, de modo que podem olhar toda a linda paisagem que se desdobra em frente. Dona Benta chamou a prestimosa preta que a ajuda nas lides domésticas:
— Anastácia!
E dirigindo-se para Jeca:
— Então, qual é o motivo de sua ida à cidade assim, tão cedo?
— É que tou levando a primeira carga de bambu que vendi pro Vakamoto.
— Carga de bambu? Que negócio é esse?
Antes que Jeca respondesse, Anástacia apareceu à porta:
— Pronto, dona Benta! — E dirigindo-se para o visitante:
— Bom dia, seu Jeca! Como vai?
— Bom dia, dona Nastácia, ele respondeu.
— Anastácia, traga um café pro compadre aqui. E alguns pães de queijo, daquela fornada de agora a pouco. Ah! E fala para Narizinho que seu Jeca está aqui. Que venha dizer bom dia pra ele.
Anastácia entrou para atender o pedido da patroa e Jeca prosseguiu:
— Pois é. A senhora imagina como são as coisa. Eu tava pensando em tocar fogo naquele bambuzal que tem lá pras banda da cachoeirinha, quando apareceu aqui um japonês, um tal de Vakamoto e me perguntou justamente o que ia fazer dos bambu. Vou tocar fogo, respondi prá ele. Preciso das terra pra aumentar os pastos e as plantação. Aí ele me falou assim:
— O bambu tem muita utilidade. O senhor pode ganhar muito dinheiro vendendo bambu.
— Ora, seu Vakamoto, que eu sei, é só pra fazê cerca. Assim mesmo, não tem muita segurança, não. — Respondi.
— Pois no Japão a gente faz tudo de bambu. Desde móveis até casas.
— Ara, seu Vakamoto, eu num sei dessas coisas não.
— Pois o senhor me vende os bambus. Tenho uma fábrica de móveis e vou fazer moveis de bambu.
O Jeca deu uma parada pra receber a xícara de café que Anastácia trouxe da cozinha. E pegar um pão de queijo.
Dona Benta tomou a outra xícra e disse:
— É verdade, no Japão eles aproveitam muito o bambu. Aqui em casa tenho um biombo feito de pequenas tiras de bambu entrelaçadas. Veio do Japão. Presente do meu amigo Dr. Lobato.
— Pois é. Prá resumir, fechamo negócio. Mas o japonês quer os bambus lá na fabrica dele, na cidade. Hoje tou levando a primeira carga. Tá vendo o caminhão la na estrada?
Dona Benta olha para a estrada, que passa a uns 200 metros da casa. Jeca Tatu continua falando:
— Mas o que me fez parara aqui foi pra lhe agradecer mais uma vez o que a senhora fez prá mim e pra minha família.
— Agradecer o que, seu Jeca?
— Ora, dona Benta, nunca vou esquecer e nunca vou deixar de lhe dizer obrigado. Pois se foi a senhora que insistiu comigo pra tomar aqueles remédios. Só depois que sarei do amarelão e daquele desanimo é que melhorei na vida. E se não fosse a senhora! Chegou até levar os vidrinhos lá em casa. E eu num tinha ânimo nem prá levantá. A senhora foi dando as colheradas prá mim, pra minha mulher Salvinha, pras meninas e pros meninos. Se não fosse a senhora...
— Pois é, seu Jeca, quando a gente não tem saúde, nada presta, fica tudo muito ruim. Mas agora o senhor é outro homem!
— Verdade verdadeira. E passei também pra perguntar se a senhora quer alguma coisa da cidade. Vou entregar os bambus e o caminhão volta vazio.
— Hoje não, seu Jeca. Mas outro dia, quem sabe sou capaz até de ir com o senhor e conhecer a fabrica do seu Vakamoto.
— Vou lá três vezes por semana, de tanto bambu que negociamo. E como tou levando no meu caminhão, ganho também no carreto.
— Pois é, seu Jeca. Além de trabalhador, vejo que o senhor também virou um bom negociante. Já tem caminhão, trator, roçaceira de pasto...
— Bão, a prosa ta boa, mas tenho que ir.
Levantando-se, deu a mão a Dona Benta, que a apertou e abraçou de novo o vizinho.
— Fico feliz de ver o senhor assim. Que Deu o ajude sempre.
— Inté, dona Benta.
— Até mais, seu Jeca.
Descendo as escadas, Jeca Tatu colocou na cabeça o chapéu de palha. Ao chegar onde está caminhão, entrou, deu a partida, acenou para Dona Benta e seguiu viagem, rumo à cidade, sumindo numa nuvem de poeira vermelha.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 18 de novembro de 2010
Conto # 636 da SÉRIE 1OOO HISTÓRIAS