O melhor pai do mundo

O táxi parou. Era uma dessas ruas esquecidas e mal afamadas, onde os prédios são pichados e há pouco movimento. O homem embarcou, sentou e cumprimentou o motorista com polidez. Vestia um terno de casemira cinza, e sobre o colo tinha uma maleta, dessas que convenientemente são usadas por executivos de grande prestígio. O motorista, velho e obeso, olhou para o homem através do retrovisor.

Para onde vamos?

O homem deu o endereço, uma rua conhecida num bairro nobre, nem perto nem longe. O motorista deu partida e o homem abriu a maleta e principiou a folhear alguns papeis. Esperava que o motorista puxasse papo, no entanto, isso não aconteceu. O passageiro achou melhor assim. Seria mais fácil para todo mundo.

O motorista dirigia rápido e com prudência e encarou o homem algumas vezes pelo retrovisor. Admirou-se com a elegância do homem concentrado nos papeis. O homem não ousou encarar o velho no volante.

Alcançaram uma rua asfaltada e tranquila, onde havia algumas mansões seculares, dessas que ocupam um quarteirão inteiro, onde jardins compridos com chafarizes adornados antecipam as casas. O homem revirou alguns papeis ruidosamente, olhou para os lados e finalmente para o motorista, que agora guiava o automóvel distraído da presença do passageiro.

Subitamente, o homem elegante arrancou uma pistola da maleta, fazendo os papeis esvoaçarem carro adentro, deixando a meleta cair. Apontou a arma para a nuca do motorista e ordenou que ele encostasse o carro. Estavam agora num trecho ladeado por árvores grandes, idênticas e floridas. Não se ouvia nada além dos pássaros e do motor ligado. Havia um cheiro doce de terra molhada e flores mesclado ao cheiro de perfume barato e combustível provenientes do táxi. O motorista, assustado, mas de certa forma, acostumado com situações desse tipo, puxou a carteira e deu ao homem.

É tudo o que tenho, eu juro.

O homem pegou o dinheiro. Duzentos e cinquenta reais. Saiu do carro. Não ameaçou nem nada. Tudo foi feito com cumplicidade. Ambos sabiam que era melhor que a coisa acabasse ali.

Voltou a pé e em meia hora estava no centro. Entrou numa loja de departamento, encontrou a sessão de brinquedos. Pegou uma boneca Barbie, a mais bonita, com vestido de fada. Deve ser essa, falou sozinho, como quem pensa. Uma vendedora, gorda, branquela e espinhenenta, que apesar disso carregava uma expressão alegre no rosto ouviu e se aproximou.

Ah, deve ser, é a febre da meninada no momento, boneca importada. É a Barbie Princess Fairy Charm Deluxe. Passa a propaganda na tevê toda hora.

O homem agradeceu, desejou que a mulher tivesse um bom dia de trabalho e dirigiu-se ao caixa. Depois de aguardar numa pequena fila, pagou e saiu. Tomou um ônibus para casa.

Desceu num ponto próximo do barraco da comunidade onde vivia. Foi até uma padaria e comprou um bolo de chocolate com nozes e morangos, bonito, grande e colorido. Comprou também uma Coca Cola de dois litros. Pagou e saiu. Pagar e sair, tudo se resume a isso, ele pensou, já na rua.

Chegou em casa. O cheiro de lixo do aterro sanitário vizinho estava lá, mas mesmo que ele estivesse acostumado ao fedor nocivo, surpreendia-se quando ficava algum tempo distante de casa, daquele cheiro de decomposição e retornava para o cheiro e para seu habitat. Ficava admirado de conseguir viver daquela forma, naquele lugarejo.

Abriu a porta de compensado de casa, entrou. Encontrou a filha acordada, que apesar da conjuntivite causada pelas baratas que vinham do lixão, assistia desenhos.

Ele se aproximou dela, ela levantou e pulou sobre o pai.

Feliz aniversário, meu anjinho.

Ele deu o embrulho. Ela abriu o pacote e olhou, arregalando os olhos, uma torrente de pus e sangue se ligando às pálpebras.

Era essa, querida? ele perguntou, receoso, quase com medo de ter errado.

Essa mesma paizinho! respondeu a menina, com os olhos quase grudados. Abraçou o pai e concluiu.

Você é o melhor pai do mundo!

Ele levantou e ela ficou a brincar com a Barbie. Já na cozinha, colocou o bolo e o refrigerante na mesa. Quando ela cansar da boneca vem comer, pensou. Abriu uma cerveja que sacou da geladeira e olhou pela janela. Um mendigo bêbado falava com um poste, acompanhado por um cachorro esquelético e sarnento.

Realmente, sou o melhor pai do mundo, ele pensou.

R A Ribeiro
Enviado por R A Ribeiro em 16/01/2015
Reeditado em 05/12/2015
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