MINHA VELHA CASA

Quando ao longe avistei a velha casa, a bem da verdade - com licença Simões, vou te contar - era uma tapera abandonada, parecia um fantasma. Suas duas janelinhas pareciam olhos que me espreitavam de soslaio. A porta como se fosse um simulacro de boca desdentada, assemelhava o espectro do espanto!
Ela... Simões, agonizou entre dores de abandono durante muito tempo. Gemia e uivava de frio e temor aos golpes inclusos do minuano gelado. Suas ventanas batiam em estertor como asas quebradas de um quero-quero; desengonçadas pelo castigo...do tempo Simões, do tempo! Este vilão que a tudo baldeia sem compaixão, sem pena, sem dó.
Mas agora estava morrendo e se decompondo ao léu.
Desci do velho pingo. Aproximei-me para vê-la mais de perto: meu castelo da infância, meu refúgio nas tempestades que vinham fazendo escarcéu em contraponto com os trovões. A casa firme, acolhia os dez, tu lembras dos quatro guris: Gaudêncio já quase piá, e as três gurias, com papai e mamãe. Eu o menorzito dos guris, me achava mui guapo, mas perto do pai, o velho Juvenal. Longe, me borrava todo!
Minha mãe, - não sei se para disfarçar o medo da borrasca ou por tradição -, num piscar de olhos, começava a preparar uma massinha e a transformava em bolinhos, que de bisavó a bisnetos os chamavam - tu sabes -, de: bolinhos-de-chuva. Entrei porta adentro. Que barbaridade! Tudo em desalinho. Telhado furado, teias de aranha, pó e formigueiros. Mas mesmo assim percorri os cômodos da casa. O maior era a sala, para acomodar os dez. Mas tinha outro cômodo bem grande, era a cozinha. A parte mais querida da casa.
Pareceu-me que o gênio do fantasma materno, tomou-me pelas mãos e me conduziu à cozinha.
Acredite Simões, me vi com meus sete irmãos, ao lado do fogão de
lenha, labaredas de nó de pinho, rodeando meu pai que mateava, ouvindo suas histórias, que as sabia inventar como ninguém. Tudo isso eu vi de relancina, como num triscar de orelhas de um flete que ressabiado rodopiava a retornar.
Assim o fiz, Simões, saí dali e me pus de volta, pisando duro o chão do caminho, que se fechava lado a lado pelo mato crescido há anos.
Debaixo da sola da bota, a terra chiava como num choro sentido, em contraponto com meus soluços contidos. Fui dando graças a Deus, de não encontrar viva alma que testemunhasse o choro de um taita que já não se podia conter. Ousei olhar mais uma vez a velha tapera.
E olhe Simões, as janelas da tapera se fecharam ao bater do vento nas ventanas, e senti que ela, como se fechasse os olhos... morreu.
Saí dali, perrengue, passos arrastados no pó do caminho, até montar em meu cavalo para...nunca mais ali voltar.
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 10/01/2015
Reeditado em 02/03/2015
Código do texto: T5097612
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