625-OS MILAGRES DE SÃO ROQUE-

— Papai, porque São Roque tem aquela ferida na perna? E porque o cachorro está com o pão na boca?

Os dois estavam na igreja matriz de São Roque da Serra e observavam a imagem do santo, no altar principal. A missa havia terminado há momentos. Os últimos fiéis saiam pela porta da frente.

O pai admirava as volutas, cornucópias e folhas de louro que adornavam o altar. O menino olhava a imagem, com alguma estranheza.

— Você quer mesmo saber? Vamos sentar aqui nesse banco, que lhe explico.

E então me contou a história de São Roque.

São Roque foi um jovem francês, filho de família rica, que abandonou tudo para ajudar as pessoas. Foi numa ocasião, seiscentos anos atrás, quando uma peste passou pelo mundo. Quer dizer, pelo mundo conhecido então: a Europa, a Ásia e partes da África.

Ele nasceu em Montpellier...

— Montpellier... fica na França? — Indaga Luiz Carlos, atento à narrativa.

— Sim, na França. Por isso ele ficou sendo conhecido como Roque de Montepellier. Seu pai era um rico comerciante, muito rico, e também muito religioso. Seu pai e sua mãe morreram quase na mesma ocasião, devido à peste. Roque tinha então quinze anos. Desamparado, pois não tinha mais parentes, e em profunda crise, resolveu fazer uma viagem a Roma. Distribuiu toda a sua riqueza entre os pobres e iniciou uma peregrinação à Cidade Eterna.

— Peregri... peregrinação? Que é isto?

— Era uma viagem que a pessoa faz para cumprir uma promessa ou para fazer sacrifícios. No caso de Roque, ele desejava rezar sobre o túmulo de São Pedro, que era uma devoção muito grande dos católicos.

Roque chegou a Roma sem dificuldades, viajando com outros peregrinos. Ao visitar a tumba de São Pedro, sentiu uma emoção que nunca havia sentido antes, e percebeu que a finalidade de sua vida era ajudar as outras pessoas, principalmente os atacados pela peste, que não tinha cura e causava um sofrimento terrível a quem a contraia.

As pessoas contaminadas pela peste eram abandonadas e não havia remédio nem tratamento e poucas pessoas sobreviviam a ela. Roque não tinha medo de ser contaminado e procurava as pessoas mais necessitadas para dar seu auxílio. Depois de algum tempo em Roma, tendo curado muitas pessoas com seus cuidados, preparou-se para voltar à sua terra. Lá, na França, como em toda a Europa, a peste grassava impiedosamente.

Mas, ao chegar a Piacenza, no norte da Itália, foi ele próprio contagiado pela doença, o que o impediu de prosseguir na viagem. Ele sabia que, estando atacado da peste, não podia ajudar mais ninguém. Não havia ainda o conceito de contágio entre doentes e pessoas sadias, mas Roque, por intuição, isolou-se numa floresta próxima à pequena cidade no norte da Itália.

Estava então com 24 anos e já havia decorrido nove anos desde sua saída de Montpellier.

Na floresta úmida, por entre árvores frondosas, imobilizado pela peste e pela auto-reclusão, teria morrido enterrado no gelo se um cão, certa noite de frio, aparecese para salvá-lo. Quase morto de fome de frio, já sentindo os pés e as mãos congelando, sentiu no rosto as lambidas de um cão, que, após ensfregar-se em Roque, deitou junto a ele, transmitindo-lhe o calor suficiente para que ele não morresse enterrado na neve.

Era um pastor, de pelagem quente e abundante, e mostrava ser de uma inteligência fora do comum. Na manhã seguinte, o cão começou a ladrar amigavelmente e correr por uma trilha pela floresta. Roque o seguiu, intrigado. Qual não foi a surpresa de Roque quando o cão praticamente o guiou para uma caverna, que ele jamais teria encontrado sem a ajuda do animal.

Deixando Roque instalado na caverna, ao abrigo do vento e da chuva, o amigável animal se foi. O rapaz ficou deitado, prostrado de fraquesa. Há dias não comia nada e para matar a sede lambia os troncos das árvores, sempre úmidos, pois a chuva era constante.

O cão voltou algum tempo depois, com um pão em sua boa, que ofereceu a Roque.

O cachorro não abandonou mais Roque. Todos os dias, trazia um pão para o jovem. Coisas miraculoss aconteceram, então, com Roque e ao seu redor. Além do fato de se sentir alimentado por um simples pãozinho que comia todas as manhãs, notou que, com o degêlo, uma fonte brotou na encosta do montem próximo à caverna onde ele estava.

Ao banhar-se na fonte, suas feridas, causadas pela peste, foram secando e em breve ele se sentiu curado.

Um dia, sentindo-se curado e em boa disposição, resolveu deixar a caverna. Quando se dispos a ir além da trilha, o cão, abanando o rabo, foi na frente, evidentemene indicando o caminho para Roque.Descendo a montanha, a primeira propriedade que encontrou foi um castelo, em cujo portão estava postado velho, com certeza um guarda ou vigia.

O velho parecia estar esperando Roque. Levou-o (e o cachorro com ele) até à presença do dono do castelo.

As roupas de Roque estavam esfarrapadas e ainda trazia no joelho uma ferida. Sentiui-se envergonhado mas o castelão, o dono do castelo, o abraçou, enquanto o cachorro dava voltas, abanando o rabo com alegria, ao redor dos dois.

O homem se chamava Gottardo Palastrelli e era o dono do cão que havia salvo Roque da morte e da fome. O rico Gottardo ficou emocionado com a história que Roque lhe contou e sentiu algo de estranho e miraculoso na presença de Roque.

Gottardo Palastrelli era rico e promovia festas fabulosas no seu castelo. Convidava os amigos e conhecidos e as festas duravam dias. Era uma farra contante e uma gastança sem fim. Entretanto, ao receber Roque em seu castelo, pela primeira vez na vida teve compaixão de alguém. Condoeu-se da situação do jovem e percebeu que a presença de Roque era algo estranho, miraculoso mesmo, em sua vida. Ajudou-o até que ele ficasse curado. Como resultado desse ato de caridade, Plastrelli abandonou sua vida de dissipação e converteu-se à fé cristã.

Miraculosamente curado, Roque passou alguns meses no castelo de Giovani, do qual tornara-se amigo. Porém, era grande seu desejo de voltar à cidade onde havia nascido. Despediu-se do amigo e pos-se a caminho. A pé. Não aceitara a última prova de amizade de Giovanni, que lhe dera um magnifico cavalo para viajar.

— Vim a pé, a pé voltarei. — Disse Roque.

Ao chegar em Angera, uma lolcalidade próximo do Lago Maggiore, Roque deteve-se numa estalagem modesa e cuidou da filha do estalajadeiro, Margarita, que, atacada pela peste, estava à beira da morte. A cura da jovem, sob os cuidados de Roque, espalhou-se por toda a região. Muitas pessoas o procuraram e as curas foram acontecendo cada vez em maior numero.

As notícias sobre Roque e as curas chegram até os ouvidos do Duque de Milão, sob cuja jurisdição estava Angera. O Duque de Milão era inimigo do Papa e viu em Roque um agente da autoridade de Roma. Quando soube dos milagres do moço, na pequen Maggiori, mando prendê-lo, acusando-o de ser espião a soldo do Papa e de disseminar a peste!

O poder do Duque de Milão, naquela região, era incontestável e de nada valeram as palavrs de Roque contra as infundadas acusações do duque. Incapaz de se livrar da infamia e da torpe culpa que lhe era atribuida, passou cinco anos numa prisão até morrer, abandonado e esquecido por todos, só sendo reconhecido depois de morto, pela cruz que tinha marcada no peito.

Roque de Montpellier faleceu numa masmorra em Milão, em 1379, com 29 anos de idade.

Luiz Carlos ouviu com atenção crescente a narrativa do pai sobre o santo padroeiro de São Roque da Serra. Os olhos fitos na imagem do santo. Quando a história acabou, duas lágrimas rolaram dos olhos do garoto.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 23-setembro-2010

Conto # 625 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Ver conto # 529 – São Roque – uma biografia

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 09/01/2015
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