Menino Medonho

Numa manhã de sexta-feira, saí para caçar passarinho com dois amigos. Éramos adolescentes e tínhamos talvez a mesma idade, 12 anos. Usávamos cada um, uma baladeira. A minha era das mais bonitas. Resistente e potente, ela era rusticamente confeccionada com cabo de madeira (o marmeleiro), feita com tiras de câmara de ar de avião e a funda com couro curtido de vaca. Era uma das melhores entre as da meninada. Naquela época todo menino tinha uma. Eu e meus amigos seguíamos pela estrada de chão, em direção à mata. Era abril, mês de inverno. Havia chovido à noite e a terra estava bem molhada, com pequenos poços d´água por todo o caminho. O mato estava bastante verde e o céu muito nublado, quase escuro. Durante o percurso, íamos catando a munição – pedras arredondadas mais ou menos do tamanho de um caroço de siriguela – antes de chegarmos à mata, escolhíamos alguns alvos para treinar a pontaria: ponta de estaca de cerca, lata velha, todo tipo de objeto e até animais. Isto mesmo, animais. Que maldade! Eu já tinha um objetivo naquela caçada: Matar uma rolinha que eu sabia muito bem que era mansa e todo dia amanhecia dormindo no ninho. Ela costumava dormir até mais tarde. Então eu já ia com essa maldade no coração. Pobre passarinho. Nem sabia que estava prestes a virar um assado. Várias vezes eu já havia passado próximo ao seu ninho e observava-o com muito cuidado, repousando em seu pequenino lar. O ninho é feito de pequeninos pedaços de galhos secos e finos, retirados das árvores e carregados com muito sacrifício. São trançados um a um com as fortes garras e o habilidoso bico do passarinho. Tão perfeito que até parece uma obra de arte, projetada arquitetonicamente. Pulamos a cerca de arame farpado e seguimos rumo à moita, moradia da rolinha “fogo pagou”. Andamos por entre algumas plantas verdes rasteiras e outras mais altas. De vez em quando tocávamos nas árvores e caiam pingos d’água gelados sobre o nosso corpo. Meus amigos atiraram em alguns passarinhos, mas não mataram nenhum. Já eu não atirei em nenhum até chegar ao referido ninho. Aproximamos-nos da moita, local onde morava a rolinha. Agachamos-nos em silêncio, para não espantar o pequeno pássaro, caso estivesse lá na sua casinha simples. Pedi a um dos meus amigos que observasse o ninho para descobrir se a rolinha estava lá. Ele ergueu-se lentamente e olhou por entre as folhagens e viu que o passarinho estava dormindo tranquilamente. Ele olhou para mim e balançou a cabeça afirmando que sim. Então, cuidadosamente, peguei uma pedra suja de terra, de dentro do meu magnífico patuá - feito de pano usado, de restos de roupa velha. Minha mãe que tinha feito - e coloquei na funda da baladeira. Saí caminhando ao redor da moita de mofumbo, pisando leve sobre o massapé molhado coberto por um capim bem rasteiro, com muito cuidado pra não assustá-la, até chegar a um ponto em que dava pra vê-la livremente, no intuito de acertá-la logo do primeiro tiro. Pois, se não acertasse do primeiro, dificilmente ela continuaria no ninho, já que o sopro da pedra a espantaria. Quando cheguei ao local ideal, me posicionei bem e engatilhei vagarosamente a minha arma, mirei e disparei um tiro tão potente em direção àquele passarinho, mas tão potente mesmo, que arrancou fora a cabeça daquela pobre rolinha. Ela nem se mexeu, ficou parada do jeito que estava. Gritei alto com um sorriso largo: Matei! Matei! Rapidamente, corri e tirei o passarinho do ninho. Mas, quando olhei pra dentro do ninho, meus olhos esbugalharam. Surpreendentemente, tinham três filhotes, recém-nascidos, ainda sem penas, apenas com pequenos canhões. Estavam abrindo o bico e gritando, que nem bebê chorando. Meu Deus! Gritei. Fiquei imóvel também por alguns instantes. Pensei comigo mesmo: É sexta-feira santa. Minha mãe falou que é pecado matar passarinho durante a semana santa. E os filhotes, coitadinhos. Quem vai cuidar deles? E agora? Deus não vai me perdoar nunca. Voltei pra casa com a consciência pesando toneladas. Senti-me triste por um longo tempo. Inesquecível sexta-feira da paixão!