FLORES MORTAS NO JARDIM DA INEXISTÊNCIA
Dizem que o Jardim da Inexistência já foi vasto de espécies. Existiram vários seres maravilhosos de característica peculiar. Tinham os seres de lama, de água, de sombra, de calor, de ar. Reinava nele as Flores Mortas, minúsculas, cor de prata, brilhantes, úmidas, macias, perfumadas.
Os seres que habitavam o Jardim da Inexistência eram vistos a qualquer momento por todos, com exceção das Flores Mortas, vistas como espíritos, de relances, serenas. Somente na Primavera era quando circulavam entre todos. Nas demais estações, essas majestades se apresentavam diante dos demais seres se evocadas.
Para isso, era preciso fazer uma linda cerimônia e a elas ser dedicada. Deveria reunir uma variedade de alimentos, os mais doces, para os convidados. Além disso, apresentar músicas, as mais completas, para que os seres do ar as pudessem dançar e assim, os seres sombrios cantá-las. Essa festa deveria acontecer debaixo das árvores, mas somente das mais robustas do Jardim da Inexistência, aquelas que tinham as copas assemelhadas a mãos glorificando os céus.
Diante disso, muitos ficavam anos para organizar uma celebração digna da presença da realeza do Jardim da Inexistência. Era preciso buscar alcançar a plenitude da sabedoria para reunir o equilíbrio de um ambiente onde todos pudessem ser bem recebidos. Essa era a condição para a presença das Flores Mortas.
Dizem que elas poderiam se apaixonar pelos dançarinos, quando fosse alcançada a perfeição da dança que se fundiria à alma da música e como brisas as tocassem até fazer surgir uma ventania e chacoalhar todas as árvores. Os convidados gritariam num coro infinito, um som da mistura de gozo e dor. Seria esse o momento para que o invocador responsável pelo evento pudesse fazer o pedido que desejasse a elas, logo seria atendido. Os demais presentes sairiam, por fim, fortificados.
Assim, os seres do ar e das sombras eram sempre muito bem tratados e queridos. Todos queriam ter com eles a arte de cantar e dançar. Os demais seres, da lama, água e calor, também jamais poderiam deixar de ser convidados a uma festa, mas havia a condição para apreciar aquele momento solene, deveriam ser eternos guardiães das árvores robustas, aquelas que os seres dos povoados inimigos tanto cobiçavam. Dessa maneira, jamais poderia ter a ausência de um, caso contrário sabiam ser impossível a presença real das Flores Mortas.
A primavera era a única estação na qual não havia tais festas. Enquanto a melhor data para evocar as Flores Mortas era justamente na véspera dessa estação, pois a meia-noite haveria a mais bela das contemplações, um momento de explosão de todos os cheiros, essências, sendo exalada para todas as narinas presentes. Logo, na nova estação todos os seres a iniciavam mais ternos e doces.
As Flores Mortas, na primavera, já não poderiam ser evocadas, discretamente circulariam livres entre todos, porém eram como “ultracamaleões”, imitavam as características, as cores do local. Poderiam mesmo se transformar em um ser qualquer, inclusive assumir a identidade de outro ser. Por isso, nem todos conseguiriam reconhecê-las, poderiam confundir até os seres mais sábios. E era nessa época que todos eram tomados pela confusão dos sentidos, se permitiam aos mais íntimos desejos. Buscavam novas paixões, declaravam amores, faziam planos impossíveis.
Era somente nesta estação que as Flores Mortas se alimentavam, no último dia. Na véspera da estação seguinte todos passavam a ser tomados pelo medo, pois o alimento sagrado que nutria as nossas Flores Mortas por todos os demais dias era uma porção reunida daquilo que os seres viventes daquele jardim haviam conquistado e mais se apegados durante aquela estação. Perderiam a beleza daquela temporada tão harmoniosa.
Houve, no entanto, o último dia de primavera no Jardim da Inexistência. Um ser vivente de um povoado inimigo havia sido aceito naquele lugar, graças ao desejo atendido pelas Flores Mortas na última celebração, na véspera daquela Primavera. Era um ser que reluzia e refletia tudo que a ele olhasse. Ele havia encantado um ser de água quando este guardava a sete chaves uma árvore de seus ataques. Depois de tão encantado, estudou todas as artimanhas para conseguir realizar a melhor celebração às Flores Mortas para, assim, ser atendido o seu desejo de deixar aquele ser entrar no Jardim da Inexistência e com ele poder desfrutar dos desejos vividos na Primavera.
Então, naquela estação, as Flores Mortas mal puderam se “ultracamalear”. Logo ao raiar do primeiro dia de Primavera, elas se apaixonaram por si mesmas a se verem refletidas naquele ser reluzente. O mesmo ocorreu com os demais seres quando se viram diante do novo ser encantador. Passaram todos os dias seguintes desfrutando do púbere amor e da ilusão.
Na véspera da estação seguinte, tomadas pelo medo, as Flores Mortas alimentaram-se de todas as conquistas durante a primavera, alimentaram-se de si mesmas e não ressurgiram mais como antes. Dizem que naquele lugar hoje existe uma cidade habitada por seres humanos.