As Musas Morreram. Cap. 2 - O Sorriso da Estagiária

Dormi mal por causa do calor terrível do Rio de Janeiro, mas consegui cumprir meu objetivo com os relatórios; assim, me arrumei e peguei um trânsito bem fluído rumo ao trabalho. Tornei-me um viciado agudo em café e perto da minha sala existe uma estagiária interessante chamada Nádia Brito; ela leva café na mesa de todos no meu setor e ela costuma levar uns biscoitinhos a mais para minha mesa sorrindo e sei que faz isso somente para mim. Digo isso após observar discretamente as mesas dos outros colegas e nas deles não encontrei biscoitos, nem migalhas de possíveis biscoitos. Nádia tem um rosto e corpo bonito, porém sua aparência é mais discreta e apesar da beleza ela não chama tanta atenção, seu maior destaque facial é a boca carnuda que parece ter sido desenhada por um artista; seus dentes branquíssimos e bem alinhados fazem um sorriso intenso e contagiante, tanto que eu em minha grande seriedade sou abalado por seu sorriso e acabo por sorrir em resposta.

Não sei se ela costuma roubar o sorriso de outros introvertidos como eu, mas ela consegue me desmanchar todo; finjo ser um homem mais poderoso e estufo meu peito magro na tentativa frustrada de transformar-me de frango em falcão. Por vezes, penso em chamá-la para sair e conversar, mas nem sei que assuntos falaria com ela pois meus focos são literatura e cinema e nem sei se ela entende o mínimo sobre isso. A doce estagiária deve ter a metade da minha idade, talvez ela namore com um homem mais jovem e bonito que eu, deve sorrir para mim por simpatia ou por piedade, nem sei dizer, mas ela é simpática sim e fico até meio desconfortável na presença dela.

Agradeço a gentileza de Nádia enquanto bebo o café que ela mesma já adoçou do jeito que gosto, e por ter mais ocupações profissionais acabo distraído demais para ouvir o convite dela para um encontro dos chegados da firma nessa sexta-feira à noite. Nesse barzinho que ela citou beberíamos umas cervejas acompanhadas de uns petiscos e todos conversaríamos, e particularmente não gostei do plano dela chamar o gay enrustido e fofoqueiro Zeca Pinheiro do RH que pretende ser especialista da coluna de fofocas, o paquerador de casadas Simão Marques do marketing que poderá crescer na empresa se nenhum marido furioso lhe matar, o lerdo beberrão do Reginaldo Valentim do setor gráfico que por vezes confunde suas funções mas depois conserta suas cagadas e aquela enjoada da Ana Cristina Meira da revisão textual que se acha o máximo por ter morado por quatro anos na Suíça e pretende ser editora chefe.

Todos esses “malas sem alça” nos acompanhariam a esse encontro, mas se eu recusasse a presença desse povo seria pior, por isso concordei evitando antipatia. O local escolhido por ela é um barzinho que fica cerca de 30 minutos a pé dali e nem sei se eu teria energia para caminhar com eles por esse trajeto. Fora isso, nem sei muitos detalhes sobre o ambiente, mas como é uma escolha da Nádia só pode ser um local no mínimo confortável e arrumado para todos.

O bom desse encontro é que ela concordou que eu levaria o meu amigo César “Montanha” Nogueira da diagramação e computação gráfica, um dos únicos sujeitos do trabalho que posso mesmo chamar de amigo, principalmente quando o computador da empresa falha ou cometo um erro. Da mesma forma, eu o ajudo e até emprestei dinheiro para ele pagar a prestação atrasada de seu carro. Esse grandão ajuda todo mundo e é um malandro carioca morador da Lapa, amante das rodas de samba, rodas de dança de salão, bebidas alcoólicas, churrascos e mulheres é muito parecido com o ator Jece Valadão em rosto e cafajestagem. O mesmo vive me dizendo que a Nádia me “dá mole”, mas parece ser mais uma das várias brincadeiras dele. Porém, devo ficar atento a essa informação pois uma das especialidades do Montanha é lidar com as mulheres. Caso essa “cervejinha” seja um fracasso, beberemos doses de vodka e Martini conversando, brincando e depois eu pego um táxi para Copacabana.

Fico meio chateado com as brincadeiras dele sobre minha castidade pós-divórcio, pois desde que me separei da Clarice há quase dezoito meses, não arrumei mulher nenhuma nem para sexo “fast food”. A bandida da minha ex quis levar metade dos meus bens conquistados em anos de trabalho solitário, mas ela nem conseguiu ganhar uma pensão (chupa, vadia!). O Montanha está certo quando diz que preciso conhecer novas mulheres, mas tantas loucas passaram por minha vida que prefiro ficar no meu canto, mas a vida passa e preciso mesmo de sexo e afeto, mesmo que não admita isso verbalmente.

- Mensageiro Obscuro.

Agosto/2013.

Mensageiro Obscuro
Enviado por Mensageiro Obscuro em 25/12/2014
Reeditado em 25/12/2014
Código do texto: T5080872
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