595-A RESSURREIÇÃO DE MADALENA- Drama familiar

Aconteceu no terrível verão de 2010, quando as chuvas caíram em volume jamais visto sobre a encosta leste dos Andes. Em todos os paises andinos, desde o norte da Colômbia ao extremo sul do Chile, um manto de destruição se estendeu devido às chuvas, terremotos e tsunamis.

A pequena localidade de Manizales, ao sul de Mendelin, na Colômbia, sofreu com as chuvas que caíram incessantemente durante 13 dias. Das encostas desceram pedras, lama, árvores arrancadas pela raiz, arrasando tudo no brutal arrastão.

A casa de Pablo estava no curso de destruição da lama que desceu a encosta. A pequena família — Pablo, Madalena, a esposa, e Ramonito, o filho de 10 anos — estava amedrontada pelas notícias de deslizamentos em toda a região. Foi logo depois do meio-dia, quando Pablo tentava tampar uma goteira no quarto, ajudado pelo filho e Madalena estava na cozinha, cozinhando alguma coisa para o almoço.

Ouviram um barulho como o rugido de uma fera enraivecida, descendo pelo barranco.

Não tiveram tempo para nada, senão assistir o rio de lama e pedras cortar a casa ao meio, passando pela cozinha. Pablo pulou para um lado, arrastando o filho, que pegou pelo braço, livrando-se da correnteza. Madalena, entretanto, foi arrastada pelo lamaçal.

A lama escorreu até encontrar um obstáculo, dez metros abaixo. Pedaços de móveis, de madeiras arrancadas da casa, detritos de toda parte, afloravam na lama.

Pablo, que vira a mulher ser arrastada pelo lamaçal, correu para baixo, margeando o lamaçal. E, desesperado, viu que um braço aflorava por entre a terra. Sem pensar sequer no que estava afazendo, agindo por puro instinto, pulou no lamaçal e começou a escavar com as mãos o barro ao redor do braço.

Ai, meu Deus, é ela! É Madalena. Não deixa ela morrer. Ai, minha Nossa Senhora, me ajude.

Ramonito, ao ver o esforço do pai, correu para junto dele e também iniciou a escavação com suas mãos pequenas.

—É a mamãe! Vamos tirá-la daí! Depressa. – gritava Pablo, cujas mãos já sangravam.

Mas ele não desistiu. Em poucos instantes, conseguiu apalpar a parte superior da cabeça da mulher, os cabelos, e mais um poucos os dois, pai e filho, afastaram a lama dos olhos, do nariz, da boca.

—E ela, é a mamãe! — Gritou o menino. — Ainda está viva1 Vamos salvar ela.

Pablo limpou as narinas e a boca da mulher. Os olhos permaneciam fechados, e ela parecia morta.

Lembrando-se de ter visto bombeiros e salva vidas aplicando respiração boca-a-boca Pablo mergulhou a cabeça na lama, colocou sua boca de encontro à da mulher e começou a assoprar na boca de Madalena. Não tinha técnica nenhuma, nem sabia como fazer, mas o resultado foi que ela começou a respirar em seguida.

—Está viva! Está respirando! Ai, Graças a Deus! — Pablo gritava, enquanto continuava a escavar.

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Madalena foi resgatada com ajuda de outras pessoas e levada para o hospital da cidade. Mas não saiu do desmaio, não abriu os olhos e somente sabia-se que estava viva pelo leve arfar da respiração difícil.

Colocaram-na no serviço de emergência. Um respirador artificial ajudou-a a manter os indícios de vida.

E assim ficou durante vinte e dois dias. Os desvelos das irmãs, os cuidados médicos, as orações de Pablo e Ramonito, que passavam horas e horas ajoelhados ao lado da cama, foram bastante apenas para mantê-la com aquela vida artificial.

As irmãs-enfermeiras tinham um grande desvelo para com a mulher e comoviam-se com a fé do marido e do filho, que não desanimavam.

Madalena não voltou a si. No vigésimo segundo dia, Dr. Alvarado foi chamado às pressas, pois ela não dava mais sinais de estar respirando.

—Infelizmente, não há sinais de vida. Podem tirar o soro e o respirador.

Ramonito entrou em desespero. O pai, entretanto, apesar da dor, procurava consolar o filho.

—Não fique assim, Ramonito. Sua mãe está no céu. Deixou de sofrer...

O filho não se conformou com o desligamento dos aparelhos de respiração artificial que mantinha a mãe em estado viva. Não arredou do lado da mãe, dificultando até os trabalhos das irmãs-enfermeiras.

—Para onde vão levá-la? — Perguntou aos dois auxiliares que colocaram o corpo sobre a maca com rodas.

—Para o necrotério. Vai ficar lá até que venham buscar para ser enterrada.

Ramonito seguiu os dois, com a maca. Viu sua mãe ser colocada sobre uma estreita mesa de cimento, onde ficou descoberta e abandonada.

—Vamos, filho, tenho de providenciar o enterro. — disse o pai, tentando tirar Ramonito daquele lugar lúgubre e frio.

— O senhor vai. Eu quero ficar com mamãe.

As horas passaram lentamente. Anoiteceu. Uma luz muito fraca acendeu-se. Ramonito estava sentado num banco encostado à parede, num torpor, quase cochilando, quando ouviu um ruído leve, como algo esfregando entre tecidos. Abriu os olhos a tempo de ver o braço da mãe escorregar de seu peito, onde estava cruzado, e pender de um lado da mesa muito estreita.

Assustou-se e levantou-se num pulo. À luz mortiça da pequena lâmpada, viu a cabeça virar para seu lado e os olhos abertos fitaram-no fixamente.

O pânico de que foi tomado fez com que saísse correndo e gritando:

—Mamãe está viva! Mamãe está viva!

Entrou no hospital, correndo pelo corredor, gritando cada vez mais alto. Era madrugada e seus gritos ecoavam pelas paredes brancas e altas. Até que foi agarrado pela Irmã Maria, que o abraçou e tentou acalmá-lo.

—Calma, filhinho, calma. Venha, vou lhe dar um copo dágua.

Ramonito, porém, tremendo e de olhos arregalados, continuava falando:

—Ela está viva! Não morreu! Vamos lá ver!

O menino não se acalmava. Escapou dos braços da freira, pegou na sua mão e puxou-a. Vendo que era inútil conversar com o garoto, ela o seguiu.

—Está bem, está bem. Mas vamos com calma.

Entraram de mãos dadas no necrotério. Aterrorizada, a irmã viu: Madalena deitada de lado, tentando levantar-se apoiada em um cotovelo, e os olhos brilhantes como duas brasas nas covas profundas.

—Ai, Meu Deus!

Aproximou-se, apesar do terror, e colocou a mão sobre a testa de Madalena, que a olhava fixamente. Estava quente e até um pouco úmida.

—Ela está viva! Ramonito, vai chamar a irmã Celeste. Depressa!

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Foi o próprio doutor Alvarado quem explicou:

— É a síndrome de Lázaro, disse, numa referência ao Novo Testamento segundo o qual Jesus fez ressuscitar um morto chamado Lázaro. — Não existe uma explicação científica. para casos como este.

Sentada na cama e abraçada ao filho, olhando para o marido, Madalena, a ressuscitada, ainda muito fraca, fala baixinho:

—Graças a Nossa Senhora de Guadalupe! Ela não deixou que Ramonito me abandonasse.

ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 9 de março de 2010

Conto # 595 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Inspirado em notícia de TV.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/12/2014
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