O TESOURO DE NATAL

Vivia uma comunidade simples em uma vila de camponeses. As casas eram feitas de tronco de madeira e a rotina na vila era monótona, embora diariamente artesãos serravam madeiras, sapateiros pregavam solas de sapato e cocheiros tratavam de cavalos presos em suas carroças. Ao final de cada ano, sempre se via a monotonia ser quebrada com o movimento natalino. O sino da igreja badalava todas as horas do dia a partir do meio do mês de dezembro, as crianças, de férias, corriam para lá e para cá, as vendas tinham aumentado o fluxo de compradores, sendo que alguns deles compravam presentes.

Havia uma família que era paupérrima. O mínimo que as demais podiam esnobar faltava a ela. A noite de Natal para ela era das mais tristes. Enquanto nas outras casas todos aguardavam ansiosamente pela última hora da véspera para cear as guloseimas que preparavam, no lar dos paupérrimos se dormia cedo para que a fome não torturasse mais do que o normal de todo dia os estômagos dentro do lar. Além de não se ter que invejar as trocas de presentes que silhuetavam nas janelas da vizinhança, seguidas de muitos risos de contentamento, surpresa e regozijo. A felicidade natalina, por motivos financeiros, não podia ser vivida no lar dos paupérrimos como era no dos demais camponeses.

A vila era como uma ilha: cercada por um rio giratório. Ao norte, cruzando o rio, que era um pouco largo, havia uma montanha bem alta. Quase ao cume dela havia uma caverna. Os camponeses daquela vila mantinham uma lenda que era passada de pai para filho há longos anos. Toda a comunidade sabia sobre o segredo da montanha. Dizia-se que dentro da caverna estava escondido um grande tesouro. Um tesouro que de tão precioso era capaz de fazer daquele que o possuísse uma pessoa rica o suficiente para nunca mais, ele e os seus, passar qualquer tipo de privação ou de infelicidade. Para o afortunado que botasse a mão no tesouro qualquer sonho seria possível. De antemão se sabia, também pela tradição, que só havia uma única coisa no mundo que era mais preciosa do que o que estava guardado na gruta da montanha que delimitava a vila. Só não se sabia o que era essa coisa.

Constava que o caminho até a caverna da montanha onde o tesouro se escondia era amaldiçoado. Muitos no passado tentaram buscar a riqueza e encontraram a morte. Quer morriam ao iniciar a subida para o topo do monte, quer ao alcançar a porta da caverna. De modo que jamais alguém voltou de lá trazendo boa nova e acabando de vez com o mistério do que seria encontrado e o que poderia ser mais precioso ainda do que isso. Uma descoberta levaria à outra. De tantos fracassarem, havia muito que na comunidade não se tentava realizar a façanha de ficar rico e soberano da noite para o dia.

Pedro era o garoto de doze anos dos paupérrimos. Mesmo jovem, ele estava cansado de ter que levar a vida difícil e infeliz que ele e a família levava. Odiava o Natal porque era quando sua infelicidade mais pronunciava-se. E naquela véspera de Natal ele decidiu ir atrás da oportunidade de ver sua vida modificar sua rotina para melhor. Decidiu que ia subir o monte. Sabia da desaprovação dos pais, por essa razão ele quis ir sozinho e sem avisar ninguém. Acreditava ele que se fracassasse e encontrasse a morte, a existência que ele levava era insípida e ingrata demais para lhe causar arrependimentos. Passou a mão em alguns equipamentos rústicos e tomou a direção do rio que tinha que cruzar para depois iniciar a subida. Ainda era madrugada da véspera do Natal. Contava, caminhando sem pressa para não se descuidar e estar sempre atento para enfrentar os perigos que pudesse haver, voltar antes das seis horas da tarde. E foi-se, tendo se despedido, singelamente para não levantar suspeitas, de seus pais e irmãos.

Já eram sete horas da noite e os paupérrimos se preparavam para tomar o mingau costumeiro, que tomavam no lugar do jantar, para depois irem para suas camas repousar. Sentiam falta do garoto Pedro e estavam preocupados demais para conseguirem sono. O garoto era sempre um dos primeiros a caçar o dormitório em noites como aquela. A desordem causada pela preocupação fez todos os moradores do casebre dos paupérrimos saírem de dentro da cabana e tomarem o rumo do quintal e matas da redondeza berrando o nome do menino. Em algumas residências já festejavam a data solene. Aguardavam, como de costume, ansiosamente, pelos comes e bebes que estavam por vir. Todos de banho tomado e a desfilar roupas novas. Todos muito alegres e ouvindo instrumentos musicais e a cantar cantigas de Natal. Ninguém ouvia os berros dos familiares em busca de um parente. Se ouviam, não se importavam.

Seu João. dona Maria e os outros seis filhos caíram em choro e aflição quando avistaram de longe ao pé do morro, no outro lado do rio, o corpo de Pedro. Desconfiaram logo a loucura concebida. O pai atravessou as águas sozinho em uma jangada para buscar sua prole e trazê-la de volta para junto aos seus. Com o filho inanimado no colo, o sapateiro olhava para o alto suplicando pela vida do menino. Lamentava a escolha infeliz e insana que o garoto fizera e o destino cruel que Deus havia reservado para ele. Todos ao redor, agora também os vizinhos, lhe acompanhavam em consolação.

A história se repetiu e mais uma vez o tesouro não foi descoberto e ninguém ficou afortunado e livre das dificuldades que a vida concebe à maioria dos humanos. Ficaram novamente sem saber o que era a preciosidade ocultada no interior da íngreme montanha, cujo caminho por entre rochas é demais inóspito. Porém, cada vez mais se convenciam os camponeses do que poderia ser a coisa que há no mundo que é mais preciosa do que o tesouro. Afinal, viver e ter a chance de sonhar com uma vida melhor, é mais precioso do que qualquer outra coisa.

Feliz Natal, minha audiência! Que seja muita festa e muitos sonhos a se realizar o que habitará nos lares de vocês neste 25 de dezembro que se aproxima.

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Esta história, aqui reescrita livremente, eu produzi para o meu primeiro blog de literatura, o extinto O Pino Aberto.

Estarei distante da escrita regular neste espaço por algum tempo pelo motivo de eu estar a concluir meu segundo livro. Tentarei escrever textos pequenos como frases e poemas nesse período. Ainda devo escrever um conto para o Revellon. Obrigado a todos que me leram neste ano que lá vai se encerrando, em particular àqueles que manifestaram opinião nos comentários dos meus textos ou me enviaram e-mail.