592-TERESA TRAIU CAROLINA NUMA NOIE DE VERÃO - Escapada fatal
Carolina não era como a mulher da musica de Chico Buarque.
Não queria ficar na janela olhando a banda passar.
O que ela queria mesmo é sair para um baile funk.
A família, porém, não deixava.
=Não pode, disse o pai. Você só tem 15 anos, e num baile funk vai se perder na certa.
=Fica em casa (no caso, no apartamento) e vai estudar, menina. — disse a mãe.
Pai e mãe concordaram que ela devia ficar trancada no quarto.
Foi o que fizeram: passaram a chave na porta do quarto da mocinha, com ela presa lá dentro.
Carolina não era boba e sabia o que queria.
Cheia de determinação, pensou:
=A porta está chaveada, mas posso sair pela janela.
(Do quinto andar? Que pensamento passou pela cabeça da menina-moça?)
Uma teresa, pensou ela. Lençóis atados, como fazem os fugitivos de penitenciárias.
Como já vira muitas vezes nos noticiários da TV.
Não titubeou nem teve medo. Separou todos os lençóis que tinha em seu quarto.
Amarou-os em nós bem apertados, que era para descer com segurança.
Os lençóis amarrados uns nos outros ficou pronto em alguns minutos.
Olhou no espelho: precisava se maquiar, trocar de roupa, calçar sapatos próprios.
A noite ia ser sua e de seu namorado.
Já tinham encontro marcado para ir juntos.
Num vapt-vupt, está arrumada, batom vermelho nos lábios, sobrancelhas arqueadas, cabelo afofado.
A roupa da hora.
Amarrou a teresa num botijão de gás.
(Mas como um botijão de gás estaria num quarto de dormir?)
Decidida, pulou a janela apertando com as duas mãos o lençol.
Balançou no ar.
De noite, a face do edifício pouco iluminada, Carolina não foi notada por ninguém.
Na pouca iluminação da rua, Carolina nem viu que a teresa acabava à altura do segundo andar.
(Melhor não saber)
Começou a descida.
A noite estava quente e Carolina começou a suar.
Devia ter trazido meu estojo de maquiagem, pensou.
Um susto quando o botijão. que estava num canto do quarto, perto da janela.
De alguma forma, entretanto, ficou preso lá em cima.
Carolina continuou descendo.
Outro susto quando, ao passar pelo terceiro nó, viu que estava frouxo.
=Ele vai apertar, pensou a moça.
Mas, pelo contrário, desapertou. Teresa traiu Carolina à altura do quarto andar.
Desatou o nó e Carolina despencou.
Caiu em queda livre, segurando o lençol.
Não emitiu um grito.
O baque de seu corpo no pátio cimentado produziu um som estranho.
Carolina com sonhos de menina moça, morreu ali.
Numa noite de verão, quente e seca, em bairro proletário da megalópole paulista.
Conto Inspirado em pequena nota/notícia
publicada em ISTO É de 17.02.2010
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 19 de fevereiro de 2010
Conto # 592 da SÉRIE MILISTÓRIAS