587-CHURRASCO ENTEDIANTE - Crônica

Cenas do Cotidiano – CDC – 4º. Da série

10. Janeiro. 2010 – Domingo

Mauro comemorou seu aniversário, que na realidade ocorrerá no dia 12, com um churrasco na área superior de seu apartamento duplex.

É um ritual que se repete quando ele, em ocasiões muito raras, comemora alguma data ou evento da pequena família. Como se trata de uma pessoa super-conservadora, nada muda no “tradicional” churrasco: a mesma cachaça, seguida da cerveja em lata, pão de queijo ou francês, com molho (vinagrete) sem graça, antes de servir as carnes.

O local é a área superior do apartamento, onde fica a churrasqueira, com uma coberta de telhas (baixa e quente) de área suficiente apenas para abrigar a churrasqueira propriamente dita, uma mesinha com no máximo seis cadeiras(apertadas), e pequena área de serviço, ocupada por no máximo duas pessoas para preparo do churrasco. No mais, estende-se uma área descoberta, com pequena piscina do lado esquerdo.

Um local não agradável de ficar: os convidados podem ficar sentados ao redor da exígua mesa e sentindo o calor da churrasqueira, ou podem permanecer ao sol, que, refletido no chão de cimento, torna o lugar quentíssimo, mais próprio para banho de sol.

Os convidados também são sempre os mesmos: Juscelino (Irmão de Ana) e sua mulher Miriam. Maria Nelma (irmã de Ana) e o filho Fernando, que, pela primeira vez, veio com a esposa (são casados há seis anos), Priscila. Zezinho, que não trás a família. Eu e Enny.

Laurinha apresentou seu namorado e Gabriela estava só (ela não tem namorado nem cogita de ter).

Mauro e Ana estavam se tratavam com evidente mau humor, que é a características de ambos nos últimos tempos. Ana corria pra lá e pra cá, subindo e descendo a escada em espiral (também outro negócio ruim no apartamento), trazendo as guarnições do churrasco. Mauro, entretido em assar as carnes, quase não conversa com os convidados.

Gabriela tem uma conversa chatíssima. Laurinha, que é muito simpática, estava totalmente dedicada ao namorado.

Juscelino, o irmão de Ana, conversa pouco e o que fala, é lei: ex-polícial, acho que já foi até delegado, é muito assertivo no que diz, mesmo nos assuntos em que pode ser contestado, mas não é. Miriam, sua mulher, é uma chata de galocha. A cada encontro (felizmente, só nos encontramos nos churrascos do Mauro) tem um assunto ao qual se agarra e sobre o qual fala o tempo todo. Hoje, falou o tempo todo sobre uma reforma em sua casa, iniciada em maio do ano passado, e que não termina nunca, como não termina nunca a sua conversa sobre o assunto. Não dá tempo para respostas. Mesmo porque é um tema que não interessa a ninguém, nem mesmo o marido lhe dá ouvidos ou ajunta comentários à sua lengalenga.

Zezinho, uma figura simpática, professor universitário, é meio ingênuo e vive comentando os apertos que passa no trânsito. Pela quantidade de situações de risco passa e que relata, acho que é um barbeiro na direção. Isto quando está sóbrio. Mas bebe bastante, e quando começa a conversar mole, fica enjoado, repetindo assuntos, perguntando bobagens.

Ana não consegue conversar nada com nada, e fica até abobalhada no meio de uma reunião. Não tem opinião formada e quando dá palpites, diz cada bobagem!

Enny ficou sentado ao lado de Miriam, ouvindo a história sem fim da reforma da casa. Como de costume, não me sento, prefiro ficar de pé, “borboleteando” até encontrar algo interessante. Como estava muito quente na área do churrasco, entrei para a sala onde está o som (tocando LP de Sá e Guarabira, algo dos anos 70!) e a estante de livros. Folheie exemplares da edição brasileira de Lê Monde e li um artigo interessante sobre o papel do estado na dinamização da economia (Getulio Vargas, Juscelino e Lula) em oposição ao neoliberalismo (Collor e Fernando Henrique Cardoso).

Mais tarde, entabulei gostosa conversação com Priscila, esposa de Fernando, simpática e jovem professora (aparentemente, 26/28 anos), acho que a única pessoa com idéias naquele churrasco (além de mim, é claro). Da minha parte, estes foram os dois momentos que apreciei nas quase cinco horas em que lá ficamos (chegamos às 12:30, saímos às 17 h).

Enfim, noblesse oblige...

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ANTONIO ROQUE GOBBO

Crônica/conto # 587 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

4º. De “Cenas do Cotidiano” - Belo Horizonte, 11 de janeiro de 2010

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/12/2014
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