O feijão e o pesadelo
Tia Isabel era a nossa Tibebé, enfezadinha como ela só, e uma doçura de dar nó. Mas foi na amargura que ela pintou na nossa casa, naquela manhã já perdida nos tempos de quase sessenta anos atrás, para a anunciar ao mano mais novo, papai, a iminência do Apocalipse:
- Luís, Luís, é o fim do mundo, o feijão, que até ontem estava a dezesseis, passou a custar vinte cruzeiros o quilo!
E desatou a chorar, só pensando naquilo, e sem o quilo na cabeça...
Papai, que compartilhava o salário mínimo e outras preocupações maiores com a tia, tentou consolá-la, mas em vão. O prantear fazia torrente, que não havia como estancar, assim tão de repente.
Mas continuou tateando, e tentando. Foi politicamente correto em não culpar o mulatinho ou o pintadinho. E para o afro, nenhuma menção, pois ele não constava de nossa dieta. Ainda.
E mesmo com o palavrear descolorido, ainda mostrou-se condoído. A irmã tinha aquelas variações de humor, mas ao cabo do dia se restabelecia e às vezes até sem graça é que ria. Também, não tinha uma perrada de filhos pra alimentar e, muito menos pra pagear. Nisso, a irmã Vicentina, mais velha, é que se comprazia em cuidar.
Vendo aquela pungente cena, fiz coisa inda mais obscena: subrepticiamente, assim que Tibebé se foi, corri às latas de mantimentos lá na prateleira para checar o nível de nosso feijão.
Tava quase abarrotada. Pra nós, o fim do mundo ficaria pra mais adiante.