578-CASAMENTO FÚNEBRE - Aconteceu na França
Juliete e Michel conheciam-se há alguns anos e mantinham um relacionamento sui-generis: encontravam-se de três a quatro vezes por semana, no pequeno apartamento da moça, passavam a noite juntos e depois, cada qual ia pro seu lado.
Numa dessas noites, naquela conversa mole, que se segue ao ato, falaram em casamento.
—Já que estamos vivendo assim, melhor casarmos e assumirmos a nossa união, disse Juliete.
Michel, cordato, e que amava muito Juliete, concordou.
—Sim, podemos nos casar.
—Quero casar com vestido de noiva, ela disse.
—Tudo bem, querida. Como você desejar.
Já no dia seguinte, começaram a dar provimento na documentação. Na França, os trâmites legais para o casamento são simplificados. Antes de um mês estavam com tudo pronto e a data marcada. Corria o mês de setembro de 2008 e marcaram o casamento para janeiro seguinte.
Na semana após o Natal, Michel viajou para visitar sua mãe, que vivia em Lyon. Na volta, sofreu um acidente fatal. O carro capotou diversas vezes; socorrido, foi encaminhado a um hospital, onde chegou sem vida.
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O Código Civil Francês é um dos mais avançados do mundo e está sempre sendo atualizado, graças ao alto nível dos magistrados daquele país. Nas circunstâncias do evento, a lei permite o casamento com uma pessoa falecida, se o processo formal para realizar a união já havia sido oficialmente iniciado.
Embora a lei permita, o casamento póstumo é raro na França, com poucos casos registrados por ano no país. Para conseguir realizar a sua união com o falecido Michel, Juliete teve de esperar que o processo passasse por várias etapas e duas instâncias, até a decisão final ser proferida pelo magistrado competente.
A cerimônia foi realizada no prédio da Prefeitura de Villeneuve, no leste de Paris. Na ocasião, Juliete usou o vestido de noiva comprado há alguns meses, quando ela e Michel se decidiram casar. A seu lado, estava uma grande foto de Michel, colocada sobre um cavalete.
—Não tenho disposição para festejar, disse Juliete, após a cerimônia. Vou apenas tomar um chá com pessoas amigas, muito amigas, em agradecimento ao apoio que me deram.
Juliete passou do estado de noiva solteira ao de viúva, sem direito à lua-de-mel. Não se arrepende, pelo contrário, está feliz, afirma sempre que questionada sobre a situação:
—Não me arrependo nenhum instante. Aliás, estou muito, muito feliz. Serei fiel ao meu marido, pois sinto que ele está sempre ao meu lado. Viveremos sempre juntos, pois Michel é meu único amor.
Antonio Roque Gobbo
Belo Horizonte, 26.22.2009 –
Conto # 578 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS