576-A LENDA DA PONTE VELHA - História e Lenda

A Ponte Gobbo sobre o Rio Trebbia

Província de Piacenza, Itália

Nota explicativa: para melhor entendimento desta Lenda, seguem-se algumas informações históricas sobre a Ponte do Diabo, Ponte Gobbo, ou Ponte Velha.

HISTÓRIA

A Ponte Velha, (conhecida também como Ponte Gobbo ou Ponte do Diabo) é uma antiga ponte de perfil irregular, que atravessa o rio Trebbia em Bobbio, na Província de Piacenza, na região Emilia-Romana, norte da Itália.

A época da construção da ponte, chamada de Gobbo pela irregularidade e pelas corcovas dos seus arcos, não pode ser datada com precisão, mas é evidente que se trata de uma construção da era romana, talvez contemporânea da conquista do burgo celta pelo exército de Roma. Certamente recebeu diversas reformas e reconstruções parciais com o correr do tempo.

Foram encontrados vestígios de outra ponte mais antiga, que podem ser datados do periodo Alto Medieval. A construção que se sobrepôs parece ser do século VII, obra dos monges da Abadia de San Colombano. Nos Arquivos Historicos de Bobbio encontra-se um documento datado de 6 de abril de 1196, que registra despesas de manutenção da ponte.

A lenda da Ponte Velha refere-se a San Colombano, Monge, abade e missionário irlandês, nascido en Navan-Irlanda, em 540 e falecido em Bobbio-Piacenza-Itália, em 23 de novembro de 615. Ficou notável por ter fundado numerosos mosteiros e igrejas pela Europa. Chegou em Bobbio no ano 614. Começou reformando a antiga Igreja de São Pedro, construindo ao redor uma estrutura de madeira que constituiu o primeiro núcleo da Abadia, conhecida hoje como Abadia de San Colombano. Foi canonizado em 26 de novembro de 642. Em Bobbio acontece a festa anual deste santo, em 26 de novembro, coincidente com a data de seu falecimento,

A LENDA

Alberico Muratore era construtor em Piacenza. Sob sua orientação e fazendo ele mesmo as vezes de pedreiro, numerosas casas haviam sido erigidas. Pela sua capacidade e por ter ajudado na construção de partes da Abadia, foi incumbido por Dom Colombano, prior da Abadia de Bobbio, para erigir uma ponte sobre o rio Trebbia, que facilitasse a passagem entre a cidade de Bobbio e a Abadia e a Igreja de São Pedro, do outro lado do rio.

Ele aceitou a incumbencia a contragosto, pois achava que era impossível fazer uma ponte no local que lhe parecia mais apropriado, onde o rio era mais estreito, mas as margens eram pantanos e alagadiços, díificeis para a construção de pilastras de suporte dos arcos.

Estava a ponto de ir à Abadia e pedir ao prior que o libere de tamanho encargo. Dom Colombano, entretanto, insistiu com que ele faziesse a ponte, acreditando na capacidade do velho construtor.

Uma noite, em sonhos, Alberico foi visitado por um velho corcunda, que se apoiava num cajado irregular e nodoso e disse se chamar Il Gobbo (O Corcunda). E disse:

=Não precisa se preocupar com a construção da ponte, Vou ajudá-lo.

Era um sonho mito esquisito, com detalhes que Alberico jamais sonhara. Uma força estranha o forçou a escutar o corcunda e concordar com o que lhe era oferecido

=Mas não tenho condições de contratá-lo, disse o contgrutor.

=Meu preço é sua alma, disse o velho.

Alberico, que não tinha cabeça para nada a não ser para preocupar-se com as dificuldades da construção da ponte, aceitou o oferecimento do velho corcunda, e como numa cena de teatro, se viu apertando as mãos do velho, selando o pacto.

O velho concluiu a visita, dizendo:

=Quando a ponte estiver pronta, você a atravessará sozinho. Será a primeira apessoa a atravessar a ponte. Estarei no meio da ponte e você me abraçará. Então, você virá comigo. =

Alberico acorda aterrorizado. O sonho (ou pesadelo) parecia tão real! Mas, felizmente, tudo não passar de um sonho...

Então, as idéias começaram a clarear na cabeça de Alberico Muratori. Aproveitaria as ruinas de uma ponte muito antiga, de idade indefinida, da qual só restavam algumas pilastras, as quais eram submergidas pelas aguas do rio se avolumavam no degelo da primavera.

O projeto foi feito: onze pilares de pedra para sustentar os arcos e a ponte, de exensão de 273 metros. Para aproveitgar os restos da antiga ponte, os arcos ficaram desiguais entre si e de alturas variadas. A ponte ficou com um perfil irregular e duas ascensões, coincidindo com os arcos maiores.

Dom Colombano aprovou o projeto. A construção foi iniciada a seguir. Tudo parecia correr a contento. Para agilizar a obra, muitos monges vão trabalhar sob as ordens de Alberico.

Durante toda a obra, Alberico se lembrava do estranho sonho, do pesadelo com o velho corcunda que chamava a si mesmo de Il Gobbo. Um pressentimento o acompanhava: o sonho não teria sido um sonho, mas um fato real que, por artes do demonio, teria sido apresentado como sonho.

=Acho que fiz mesmo um pacto com o demonio = pensa Alberico, nos seus momentos de dúvida atroz.

Mas a ninguém revelou o estranho sonho.

A ponte foi construida rapidamente. A estrutura ficou grotesca, assimétrica, e parecia irreal. A obsessão pelo sonho levava Alberico ao desespero, à medida que a finalização da ponte se aproximava.

Enfim, não conseguindo manter o silêncio, o construtor procurou o Prior Colombano, e lhe falou do sonho, que, tem certeza, foi um fato real disfarçado em sonho por obra do tinhoso.

O Prior acalmou Alberico, cuja lucidez se esvaia a cada dia que se aproximava a inauguração da ponte.

=Fique tranquilo, meu filho. Deus vai livrar você de qualquer trato com o demo, seja real ou seja em sonhos.

A convite do Prior, Alberico, que era casado e tinha três filhos, passou a residir na Abadia, que ficava do outro lado do rio, distante uns cem metros da margem do rio e do local onde inciava a ponte.

=Coloque portões nos dois lados da ponte, rocomendou o Prior ao construtor. = Assim, no dia em que estiver pronto, ninguém poderá atravessar a ponte senão você, que guardará as chaves consigo.

Finalizada a ponte, chegou, finalmente, o dia em que Alberico Muratore iria atravessá-la sozinho. De um lado, estavam reunidos o Prior e todos os monges da Abadia. Do outro lado, uma pequena multidão aguardava que os portões fossem abertos para transitgarem pela nova e esquisita ponte.

O Prior Colombano tomou as mãos de Alberico e juntos se dirigiram até o portão. O construtor tremia e suava.

=Tenho certeza de que não foi sonho. O Demonio virá.

=Tenha fé em Deus, meu filho. = O prior o acalmava com palavras suaves.

Ritirando do pescoço o pesado cordão de prata que sustentava um crucifixo de marfim, com a imagem de Jesus Crucificado esculpida em ouro, o Prior o colocou no pescoço de Alberico. Em seguida, o aspergiu com água benta.

Naquele momento, Alberico sentiu uma energia incomensuravel inundando sua alma e seu corpo. A coragem se sobrepôs a qualquer hesitação. Abriu o portão com decisão. Olhou diretamente para o centro da ponte.

Lá estava o velho que o visitara em sonhos. Apoiava-se no mesmo cajado cheio de nós, a gargalhada obscena numa boca desdentada.

Mas foi só por instantes que durou a diabólica visão. Ao primeiro reflxo dourado do curcifixo que o construtor trazia sobre o peito, pendente do pescoço, , o demônio recolheu a gargalhada. E num grito estertorado, manifestou-se vencido por aquele que deveria ser seu prêmio:

=Maldito! Não podia vir assim.

E numa nuvem de mau cheiro, a entideade infernal desapareceu.

Alberico atravessou a ponte até a outra extremidade, onde abriu o outro portão, que dava acesso para a cidade. Voltou com a multidão, Ao chegar defronte ao Prior, quis devolve a corrente e o crucifixo, mas foi impedido pelo santo homem, que disse:

=Fique com Ele. Seu pacto agora é com Deus, e sua obediência é para Jesus.

O construtor ficou sendo conhecido como Alberico Gobbo, em função das corcovas da ponte que construía. Durante a construção, todos se referiam à construção como Ponte Velha, por ter sido erigida sobre as fundações da antiga ponte. Dom Colombano a batizou de Ponte Gobbo. Mas quando correu a notícia do estranho pacto em que o demonio fora ludibriado, nada impediu de que o povo à ela se referisse como Ponte do Diabo.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 21 de novembro de 2009

Conto # 576 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 15/12/2014
Código do texto: T5070646
Classificação de conteúdo: seguro