UMA ACADEMIA DE LETRAS

Uma Academia de Letras

Uma plêiade de intelectuais, devidamente paramentados com estolas acadêmicas, porte airoso em suas figuras, distinção em seus modos, melifluidade dimanando quando falavam entre si. Colóquios dulcificantes e, por conseguinte, respeitosos. Sem algaravia. Percorriam as alamedas daquela praça central, suscitando comentários, os mais variados, invariavelmente descambando para a jocosidade e o desdém. Não afastando muito seu teor, não obstante algumas nuanças. Rareando os eufemismos. Sutileza quase inexistente.

Eles cumprimentavam os passantes e os ficantes com afabilidade e cortesia. Muitos, a bem dito, já empedernidos, simplesmente ignoravam, com um desdém descabido, a sincera demonstração de simpatia.

Flanavam com a descontração de quem caminha com o espírito leve, porém resoluto, convictos do objetivo a ser alcançado, para onde, efetivamente, levariam seus alípedes anseios, pelas ruelas marchetadas, a bem da verdade, divinamente marchetadas, daquela florida e encantadora praça central, com seu chafariz icônico, a espargir leniente e aquoso frescor aos transeuntes e seu coreto, portentosa construção em estilo clássico. Ambos convidando para o deleite, a lhaneza e a garbosidade. Primeiro o passante ablui-se nas águas vivificantes borrifadas pelo chafariz, depois em refocilo nos bancos do coreto, com sua cobertura sombrosa, apetecível. Nada melhor para aplacar as ânsias de um coração conflituoso e dar lucidez a uma mente obnubilada.

As figuras distintas seguiam em frente, embebidas numa álacre atmosfera, alheios a toda admoestação ou molestamento externo, não obstante dimanando de suas dignidades uma olência tal, cotejada à recendência da mais olorosa flor, daquelas miríades que pululavam nos canteiros daquela praça. Almas sensíveis hauriam aquela fragrância, fazendo leve mesura aos membros daquela comitiva. Almas sensíveis não fazem alarde. Almas sensíveis são discretas. Reconhecem-se por gestos moderados.

Os mais estouvados continuavam, em cicios entre si, a lançarem seus impropérios:

- Olha aquele grupo! Para onde irão? Certamente para aquele Clube Social no largo da praça. Certamente irão para tomar chá e refestelarem-se em suas vaidades, com homenagens e admirações mútuas.

- Com certeza irão para se empanturrar com um abundante banquete e falar fatuidades dignas de um intelectual pedante.

- Olha só que arrogância desses senhores. Que postura altiva ostentam! Simplesmente soberba.

- Afinal, o que a Literatura tem para nos oferecer? Tudo o que precisamos nos é dado. Usufruímos com prazer o que nos é oferecido. Isso nos basta. Satisfaz-nos. O que esses eruditos afetados podem oferecer que seja do nosso agrado?

A plêiade, não afetada pelos vilipêndios, não acometida pela apoquentação suscitada pelo melindre, pois já estavam imunes às manifestações inconvenientes, continuava sua caminhada, determinada. As potestades hipocrênicas, as Musas, estimulava-os, impelindo-os a seguir em frente.

Passaram pelo magnificente chafariz. Os borrifos aquosos lentejaram seus trajes e se imiscuíram, refrescantes, em seus espíritos, insuflando neles alento e ânimo.

Tomaram o caminho oposto ao do Clube Social, suscitando incredulidade aos críticos.

- Será que ainda não chegou a hora do chá e estão a passar o tempo, deambulando ao léu, atoamente? – E riam petulantemente.

Chegaram ao coreto. Subiram sua escada.

Reuniram-se no centro do coreto e em seguida cada membro se dirigiu para uma beirada, formando um círculo.

Circunspectos e veneráveis, todos se quedaram em seus postos.

Mais e mais pessoas, aqueles que circulavam na praça, foram se aproximando do coreto, rodeando-o. Havia uma grande platéia logo abaixo. Estava expectante.

Neste ínterim o céu abriu-se em uma fenda e o seu interior pareceu tirante a um vívido azul, quase cegante, tamanho o deslumbre de tal visão.

Dessa fenda aberta no céu saíram sílfides seres alíferos. Eram as Musas, beldades aladas.

Graciosas adejaram sobre o coreto, esvoaçando, ruflando suas alipotentes asas, produzindo uma brisa aprazível.

A platéia estupefata estava envolta num silente respeito.

As Musas desceram até o coreto. Cada uma se colocando respectivamente atrás do seu pupilo. Cada uma tinha o seu protegido, o seu orientando, dentre aqueles dignos acadêmicos.

As Musas estreitaram com suas alipotentes asas os seus afilhados, aqueles diletos na estima, aos quais tinham afeição.

Cada acadêmico, então, começou a falar com a verve, o entusiasmo e a efusão que nunca antes um orador foi imbuído. Eles estavam inspirados pela grandiloquência da Literatura.

Os refratários, os críticos, os recalcitrantes, atônitos, se calaram, pois já não havia mais argumentos detratores que pudessem sobrepujar aquela vivacidade, aquela energia contagiante que dimanava daqueles que estavam sob o influxo de uma inspiração mística e poética.

As Musas trouxeram um mimo para aqueles propensos a recebê-lo e esse mimo é a Literatura. Uma Academia de Letras salvaguarda e dissemina o fervor literário.

Valdecir de Oliveira Anselmo

13/12/2014

Valdecir de Oliveira Anselmo
Enviado por Valdecir de Oliveira Anselmo em 13/12/2014
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