A história de Pedro

(A história de Pedro) de Robert Ramos

Minha casa é simples , como a maioria das casas aqui no interior do Paraná, moro com meus dois filhos , Carlos tem 12 anos , adora cultivar nossa plantação , esta sempre preocupado com a chuva e os parasitas que de ano em ano, infestam essas áreas, Daniel tem 8 anos, é esperto como rapaz de cidade grande, adora trocar suas coisas , por algo diferente, uns dias atras ele conseguiu numa dessas trocas, com seus amigos vizinhos aqui da região, uma espingarda e me disse que não era uma qualquer, essa era belga de cano fino, fiquei impressionado como ele a descreveu, por um instante imaginei que seria um caçador , mas logo o fiz devolver

- Quem é o dono disso piá?

- É do pai do Douglas , troquei com ele

- Pelo quê você trocou?

Daniel correu e sumiu no meio do matão perto de casa, chamei Carlos pra me ajudar a procura-lo, entramos naquele matão seco, estava um calor de pelo menos uns 39 graus, Carlos foi na frente guiando-se pelas folhas amarrotadas no chão, Daniel era ligeiro , escutávamos os galhos quebrando-lhe nas canelas, Carlos o chamava mais Daniel não respondia, comecei a ficar preocupado, pois Daniel correu pra dentro do matão com a espingarda nas mãos, temia o pior. Continuamos pelo matão , em frente havia uma grande plantação de milho , mas com uma parte destruída , toda queimada , "Daniel correu pra lá pai" gritou Carlos, apontando direto para a parte queimada da plantação, e lá estava ele de pé , de frente e segurando a espingarda em nossa direção, parecia estar furioso, nunca tinha visto antes, aquela especie de fogo em seu olhar, imóvel e com o dedo no gatilho da espingarda, gritou:

- Fica ai se não eu vou atirar no Carlos!

Não parei de me aproximar, continuei indo em sua direção, pensei que ele não teria coragem de atirar no próprio irmão, quando escutei o estouro da espingarda, explodindo a cabeça do meu filho mais velho, uma cena que me fez deixar de ser homem , deixar de viver, derre-pente tudo ficou sem som , apenas vi Daniel correr na imensidão daquele milharal , atras daquele petrim , enquanto de joelhos entre as cinzas e os pedacinhos de Carlos , o abracei pela ultima vez. Não sabia o que fazer , estava apavorado demais , e o sol ja estava se deitando, Daniel havia sumido no milharal , estava fora de si , fiquei com o corpo de Carlos por algum tempo , então o carreguei de volta pra casa. Éramos apenas nós três, minha esposa faleceu quando Daniel nasceu , ele cresceu sem o amor da mãe , mas era um piá muito bonzinho, nunca me deu trabalho até completar seus 8 anos de idade, coloquei Carlos no quintal de casa , em cima de umas palhas de milho secas , enrolei sua cabeça com minha camiseta e comecei a rezar, as casas daqui de região eram bem distantes umas das outras, mas sempre que acontecia algo ruim , surgia gente igual centro de cidade grande, " Meu deus do céu o que aconteceu" "Minha nossa senhora" todos estavam se lamentando e prestando suas condolências , perguntavam se era meu único filho , por um momento pensei " Esse era sim , o meu único filho", mas tinha Daniel.

Carlos foi velado no dia seguinte e enterrado num cemitério da região , construído pelos próprios moradores daqui, voltei para casa naquela manhã de sábado, sem olhar para nenhum outro lugar que não fosse chão, e parecia que naquele lugar, era só o que tinha, chão e mais chão , de terra batida, de terra seca, terra cinza, terra vermelha, todas elas me soterravam , a cada pá que cobria os sete palmos de Carlos, a poeira se levantava a cada passo , quando um dos meus chinelos, arrebentou e eu parei de caminhar.

- O senhor é o pai do menino Carlos? - me perguntou um homem de barba cerrada , com uma sandália novinha e com um papel nas mãos

- Sou sim senhor, quem é você?

- Meu nome é Adalberto , sou pai do Douglas

" Douglas, foi esse garoto que fez a troca com Daniel" pensei comigo , mas falei alto

- Sim, aquela espingarda era minha , mas não sabia que o meu piá, tinha pegado ela de baixo da cama , e feito essa troca com seu menino, fiquei sabendo hoje quando ele me contou

- Ele ? quem o Daniel? perguntei torcendo para que fosse ele

- Não , meu piá que confessou pra mim hoje de manhã , vim prestar minhas condolências e sentimentos a sua família, e a propósito teu piá deixou esse bilhete com o meu menino, hoje bem cedo , por volta das 5 da manhã.

Peguei o bilhete e comecei a ler

" Douglas eu vou fugir hoje pra São Paulo, os pais do Alvaro vão de carroça até o centro da cidade, e de lá vão pegar o ônibus para São Paulo, não conta pro meu pai que estou indo, eu quero ser grande numa cidade grande, adeus, Daniel.

- Essa não é a letra do Daniel , ele só sabe escrever o nome , quem escreveu isso ?

Adalberto disse não saber de nada , e disse também que o piá dele , recebeu o bilhete das mãos de Daniel, e disse que os pais de Alvaro eram José e dona Vera , moravam 5 casas depois da casa dele, disse que me levaria até eles. Seguimos a rua até essa casa , e lá estava José cuidando de sua horta, seu filho Alvaro o ajudara com um regador, lembrei de Carlos , ele adorava me ajudar no plantio. Perguntei se José iria partir hoje para São Paulo, me disse que não e nem sua esposa deixaria ele ir, e sorriu , seu filho Alvaro cochichou pra ele alguma coisa ao pé do ouvido, e José disse:

- Meu deus o senhor é o pai do piá que morreu? eu sinto muito

- O seu filho Alvaro era amigo do meu piá?

Alvaro disse que não , apenas jogavam bola de vez em quando , disse que Daniel era muito brigão e que queria roubar a carroça de seu pai, dona Vera apenas observava da janela a nossa conversa, e chamou Alvaro para dentro. Contei para José tudo o que havia acontecido, ele disse que nunca planejou ir para São Paulo, era um sonho distante para toda sua família, apertou minha mão e entrou. Na volta para casa , conversei um pouco com Adalberto, perguntei se ele sabia , o que Daniel deu em troca pela espingarda, Adalberto disse que, Douglas chegou em casa Com duas notas de 100 reais uns dias atras, e disse que Daniel foi quem deu o dinheiro em troca da espingarda, fiquei chocado , "como Daniel conseguiu aquele dinheiro, sendo que nossa família mal tinha roupas, e as vezes nem arroz e feijão?".Cheguei em casa e no relógio batia , 4 horas da tarde , e nenhuma pista de Daniel, tomei um banho e fiz minhas malas , e naquela noite parti para uma viagem rumo a São Paulo. Como não tínhamos ainda o dinheiro de nossas colheitas, parti com tudo o que tinha no bolso, de uma calça nova que tinha remendos feitos pela minha falecida esposa, a viajem seria longa até São Paulo, acabei conseguindo carona até o centro de Paraná , José me levara de carroça , no centro tinha uma viatura da policia , me aproximei e pedi ajuda para um dos guardas, disseram que eu teria de ir na delegacia ,com meus documentos para queixar-me com o delegado , sobre o desaparecimento de Daniel, olhei nos bolsos da calça e não os encontrei , "não trouxe comigo meus documentos", falei para o guarda e ele disse que infelizmente não poderia ajudar , sem pelo menos meu RG em mãos, e eu não sabia o numero de cor , estava a deus-dará naquele momento. Segui até a rodoviária , estava decidido a encontrar Daniel sem a ajuda da policia, comprei as passagens , eram quase 405 km e algumas paradas até São Paulo e o ônibus partira em uma hora , nesse tempo tomei um café e fumei uma palha.

No ônibus sentei sozinho , havia apenas umas 10 pessoas , sentei na janela para ver a estrada, sempre quis ir para São Paulo, com meus filhos e minha falecida esposa , 21:00 em ponto o ônibus partiu rumo a São Paulo, 3 paradas de 10 minutos , pareciam horas intermináveis para mim, minha cabeça estava girando disparada, não sei como aguentei firme até São Paulo.

Chegamos por volta das 6 da manhã na rodoviária de São Paulo, era tudo muito agitado , muito rápido aconteciam as coisas, fiquei impressionado com a velocidade do metrô , e com tantas pessoas diferentes , gente de todas as raças e cores e crenças, encontrar Daniel por aqui, não vai ser nada fácil. Não sabia por onde começar, a quem pedir ajuda, na estação de trem tinha muitos guardas , me aproximei de um deles

- Senhor eu vim do Paraná , meu filho esta perdido aqui , por favor me ajude a encontra-lo?

o guarda perguntou como tinha acontecido , se ele tinha fugido de casa, então contei minha história pra ele, prontamente chamou alguém pelo radio, e me disse para ter calma , e que eles iriam encontrar Daniel, me levaram até uma delegacia de policia no centro , contei tudo para o delegado chefe de policia , disse que Daniel tinha assassinado o irmão por acidente, o delegado disse:

-Estamos numa ocorrência aqui em São Paulo , estamos investigando o tráfico de crianças do interior para São Paulo, geralmente caminhoneiros pagam crianças para fazerem algumas coisas a margem da lei, pois sabem que por serem menores, não podem pagar pelos atos, seu filho deve ter sido um dos alvos desses criminosos, nós temos as fotos de algumas crianças que eu quero que dê uma olhada-

Folheei pagina por pagina daquele livro enorme de crianças e adolescentes, recém capturados em São Paulo, e lá estava a foto de Daniel " É esse o meu filho graças a deus" respirei um pouco mais aliviado, o delegado deslocou uma viatura de policia para o local , me levaram junto.

Um galpão enorme com as letras I.M.L na frente , já vira aquele nome antes na tevê, nas reportagens sobre as cidades grandes, nesse momento me esperneei dentro do carro de policia, já sabia que Daniel estava morto, e que lá dentro , teria de reconhecer seu corpo, os delegados de outras brigadas estavam na porta , e ajudaram a me conter, quando me dei conta , estava na sala , e alguns universitários , assim foram apresentados, estavam limpando o seu corpo, era ele mesmo,tão pequeno , era tão esperto , estava com alguns machucados pelo corpo, como queimaduras, os delegados disseram que ele foi encontrado numa favela aqui perto, e que os traficantes o torturaram antes de mata-lo, disseram também que ele trouxe numa mala , 2 quilos de maconha prensada, forçadamente por um caminhoneiro de Coritiba , que o obrigou a levar a droga até o traficante , e esse caminhoneiro desviou parte da droga , então os traficantes não perdoaram seu filho, sinto muito. Perguntei sobre o caminhoneiro, e o delegado disse que esta preso por porte ilegal de armas e drogas, assinei muitos papéis, sobre coisas que eu mal entendia o que era, eu só queria meus filhos de volta e sair de lá, então comecei a passar muito mal, fui socorrido e levado para um hospital, por volta das 10 horas da manhã me deram alta do hospital, os policiais disseram que eu teria de velar o corpo no estado do Paraná, por eu não ter meus documentos e nem os de Daniel, caso eu não o fizesse , ele seria enterrado como indigente.

Fiz todos os procedimentos possíveis , fui auxiliado por autoridades e chefes de policia, minha história sensibilizou uma feche de policia que se disponibilizou, para levar o corpo de forma correta até o Paraná de avião, fiquei mais um dia em São Paulo , fazendo ocorrências, assinando papéis, já não me importava o que estava escrevendo ali, só queria voltar pra casa e me matar no quintal.

No dia seguinte voltei para o Paraná , o velório de Daniel já estava tudo ajeitado, os vizinhos da região , já sabiam do ocorrido, " Que povo é esse?" pensei comigo mesmo, compraram o caixão e tudo mais, mas a cruz foi eu quem fiz, de madeira forte e pintada de branco, não derramei tantas lagrimas, parecia que já não tinha tantas em mim. No final da ultima pá de terra, dona Vera , esposa de José me disse:

- lamento por sua perda, mas deus é grande , já prenderam o Adalberto, ele foi pego em seu caminhão, numa parada em Coritiba.

Comecei a ligar os pontos vagarosamente e perguntei:

-Foi o Adalberto que obrigou Daniel a fazer tudo isso? e a senhora sabia?

dona vera derramou umas lagrimas e disse:

- Já faz alguns dias, eu vi o Adalberto dando dinheiro ao Daniel, depois de levar um pacote para um homem num caminhão, e Adalberto me viu passar pela rua, disse que seu eu contasse para alguém, ele mataria toda a minha família, por isso não contei a ninguém, mas não sabia que ele mexia com essas coisas , essas drogas.

Voltei para casa , peguei uma corda que segurava algumas vacas pelo caminho, e a amarrei numa árvore perto de casa , coloquei em volta do pescoço e subi na árvore , e quando estava pronto para pular, lembro que a ultima coisa que vi, foi o petrim voar, e a ultima coisa que lembrei foi dos meus filhos brincando naquele milharal.

Pedro pulou e se enforcou naquela árvore, e depois de alguns anos , sua casa foi demolida , porque muitas pessoas afirmaram, ter visto os fantasmas de sua família ,caminhando ao arredor do plantio.

Robert Ramos
Enviado por Robert Ramos em 12/12/2014
Reeditado em 12/12/2014
Código do texto: T5067183
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