Idas e vindas
Brincamos de família, nós quatro: ele sentado a minha frente, os filhos à volta, a comida, sim, é preciso ser bem sublinhado - a comida, que eu própria coloco à mesa, diante dos olhares ávidos. Ele se serve logo, tem pressa, está com fome. Sirvo as crianças, que falam, se agitam, querem isso, não querem aquilo. Eis-me, enfim, sentada. "A sobremesa", pedem. E lá vou eu, me levanto, busco doces, frutas, o que houver. Ele se ergue - terminou. As crianças saem correndo. Engulo os últimos bocados, despacho a turma e vejo-me novamente só.
Vai viajar. Passa dias fora. As ausências tornam-se mais freqüentes do que as presenças. Vamos adaptando-nos a outra forma de viver. Os filhos reclamam sua falta, às vezes. Mas, quando vem, o carinho se esgota em poucas demonstrações. É tudo. Sobrevém nova partida. Nós continuamos nossa vida.
O outro nos observa de longe. Antigo conhecido da família, dão-se bem os dois. Começa a aparecer de vez em quando. Vamos fazer um piquenique, as crianças e eu. Companheiro, segue a meu lado. Sem perguntas, sem exigências, presente apenas.
Corremos pelo campo, etéreos, o vento nos cabelos. O verde nos cerca em todas as direções. Os garotos são passarinhos fora da gaiola. Brincamos e pulamos, e uma ponta de entusiasmo toma conta de mim. De mansinho.
Ele volta. Depois de quanto tempo? Semanas, meses? Parece que faz tanto tempo. Nem mais alegre, nem mais triste. Fechado, enrustido em seus problemas, com pressa. Não sabemos o motivo. À mesa, os cinco. Há um mal-estar qualquer voejando em torno de nós. Discretamente, o amigo se retira. E não volta, pelo menos não nos próximos dias.
Mais uma vez brincamos de família. Fazemos juntos as refeições, dormimos ambos na mesma cama, o mesmo teto nos abriga. O ambiente torna-se tenso. Cada vez mais tenso. Morreu a alegria, um peso no ar... Gostaria de fugir. Gostaria de sumir.
Ele vai embora. Não sabe quando voltará. Beija os filhos, roça a minha face. Será que sou tão incapaz? Por que não consigo mudar as coisas? Onde está o meu ânimo? Aquele que um dia tive e que - parece - se foi? Cubro o rosto com as mãos e entrego-me a um livre chorar. Como há muito não fazia.
Saio para as compras. A rua pega fogo. Vou-me derretendo ao sol. Silenciosamente, um vulto põe-se a meu lado. Não levanto os olhos, pressinto. Caminhamos juntos para o centro.