O Natal
A luz que tínhamos chegava à nossa cozinha intermitente. Desde que nos cortaram a eletricidade era assim e ainda nos dávamos por felizes por haver um reclame a néon em frente à nossa casa. Agora via-te em azul porque, à mesa, recebias aquela cor durante exatos dez segundos. A seguir ficarias cor de laranja e, depois, desaparecias. De mim tinhas o contraluz das mesmas cores e só vias o meu contorno com os cabelos a brilhar numa retroactividade falsa. Amanhã lavo a louça. Fica mais bem lavada, disseste-me antes de passar à sala. Enrolados em cobertores, vivíamos o inverno mais frio da nossa vida. Perder o emprego, perder a esperança, perder os amigos arrefece-nos também por dentro. É como se nos transformássemos em seres ausentes, fantasmas de um ontem que foi de normal contentamento. Só faltam dois dias para o dinheiro do subsídio chegar. Mandarei ligar a luz, vou lá logo de manhã. Quando chegarem os teus pais para a consoada já estará tudo bem. Compra-se um bolo-rei e compro também frutos secos e vinho. Enfeito o pinheiro, faço o Presépio. Vamos, não chores agora. Fica tudo pior quando choras.