A biblioteca
A biblioteca estava cheia naquele dia. Adolescentes discutindo consigo mesmos tentando encontrar sua identidade, crianças correndo de um canto para o outro repreendidos pelos gritos desesperados da uma velha bibliotecária, noutro extremo professoras ranzinzas falavam de uma novata com ideias escolanovistas. Mas ali, no canto da sala, sem chamar atenção, sem proferir uma palavra sequer, sem ser notada, eu folheava um livro de capa azul cujo nome me fugiu a memória. O livro era de terror. Eu amava livros de terror. Ao contrário de todas as meninas da minha idade eu não passava o tempo lendo contos de fadas ou penteando uma Barbie, preferia viajar nos livros velhos que Selma – a velha bibliotecária- sempre separava para mim. Selma era uma velha que trabalhava na biblioteca dês de... bem dês de sempre. Ela era uma boa mulher, exceto pelo fato de cuidar da biblioteca como se fosse sua própria casa, sua própria catacumba. Mas ela gostava de mim. Acho que eu era a imagem dela décadas atrás. Uma garota de onze anos, sempre sozinha, calada, excluída e apaixonada por livros. Sim eu era a imagem perfeita das velhas que frequentavam as praças de alimentação para falar de chás, remédios para pressão arterial e crochê. Quer dizer, essas velhas se reunião e eu, bem, Além do Robson não tinha nenhum amigo. Sim eu assumo, EU ERA SELMA. EU ERA ELA. EU ERA ELZA. Ela nada mais era que uma múmia vagando entre prateleiras e hora ou outra falava com zelador Carlos que me fazia lembrar do Dick vigarista. Seu olhar petrificador, seu queixo pontudo, seu cachorro distraído, e a última semelhança, nunca fez mal a alguém de fato. Tentei me afastar dos pensamentos que me arrancavam do livro por instantes quando reavaliei minhas últimas atitudes. Naquela tarde eu havia fugido de casa. Já era insuportável ouvir meus pais brigando pela milésima primeira ou segunda vez. Mas hoje Ele a agrediu. Além das palavras proferidas, ele a agrediu. Acho que nem deviam ter notado minha falta, estavam ocupados de mais tentando destruir um ao outro. Notei que uma lágrima corria tímida pelo meu rosto. Eu ainda não havia conseguido passar das primeiras páginas do livro, eu estava dispersa, se é que estava ali. Tentei esquecer as cenas que me perseguiam. Fitei com os olhos as bonecas de porcelana que enfeitavam o teto que não tinha mais que três metros de altura. A minha concentração de repente foi rompida por uma doce voz. Era Robson. Um garoto de doze anos, caso raro. Um NERD que por acaso era o melhor jogador de futebol da escola. Ele era filho da Tereza, a melhor amiga da minha mãe. Crescemos juntos, brincando e brigando. Ele era meu melhor, quer dizer, meu único amigo.
_ O que ouve Robson?
_Como assim o que ouve? Você some de casa e quer que tudo esteja bem?
_Alguém notou que eu sai? Estranho, ninguém nunca me nota!
_Pare com a ceninha Elza! Vamos já pra casa!
_Não! Eu preciso ler esse livro! Preciso ficar mais um pouco! Me deixe aqui e diga que eu não demoro. Você não entende não é? Eu os vi brigando e foi pior que das últimas vezes. Ele falou em matá-la...
_Sei o que está sentindo... todos vão querer meu pescoço por isso, mas eu vou permitir que você fique mais um pouco.
_Obrigado!!
Ele era como um irmão 11 meses e 14 dias mais velho que eu. Ele era maravilhoso.Se despediu com um beijo no rosto. Voltei ao livro. Sim, agora me lembro o nome do livro:” A biblioteca perdida”.
“A maior biblioteca do mundo estava fechada”. Ninguém entrava ou saia; se caso ainda houvesse alguém com vida porta adentro.
Bernard corria como quem foge de um fantasma entre as prateleiras. Se é que aquilo não era um fantasma, se é que havia como fugir. Ele precisava encontrar Lúcia, ele nunca havia deixado a sua irmã sozinha por tanto tempo.
_Ela deve estar apavorada. -Pré supunha. –ELA É APENAS UMA MENINA ASSUSTADA! – Gritava ele como se por um instante em que sua consciência o acusou quisesse chamar todas as atenções para ele, deixando assim uma fresta que fosse para que sua irmã escapasse. Ele avistou de longe a mesa da bibliotecária. - Lá deve haver uma chave! Uma saída para mim!
Ele correu rumo a liberdade, tateou gaveta por gaveta quando ouviu algo que o lembrava passos. Seu coração por instantes quase pulou pela sua boca, de longe ouvia- se a batida insistente do coração do menino herói, que prendendo a respiração contornou a situação. Os passos se aproximavam, os segundos se arrastavam como se aqui o tempo corresse da sua própria forma, segundo suas leis. Uma lágrima de medo começou a se formar no canto do olho direito, e veio acompanhada de um flash:
_Menino, limpe essas lágrimas! Homens não choram! Homens são fortes como uma rocha, precisos como uma flecha e astutos como um leão. Revertem qualquer situação, mais nunca choram!
_Era duro ser filho de um militar. Ele nunca estava em casa. E quando estava dividia seu tempo entre punições desnecessárias e brigas com a mamãe. Talvez por isso Lúcia e eu nos aventurássemos pelas ruas sombrias da cidade dia após dia, buscando mistérios, fantasmas, boletins policiais ou como posso defini-los: Distrações!
Os passos estavam cada vez mais perto, quando a lágrima correu após tanto esforço para contê-la, a morte soprou em seu ouvido, mas as palavras do seu pai o fizeram ter força. Ele finalmente conseguiu abrir os olhos. Mas aqueles eram os pés, os pés de Lúcia! Ela ainda estava viva! Viva!
_Lúcia!
_Bernad? É você?
_Sim, venha aqui! Rápido! Antes que ele nos veja! Rápido!
_Ele? –Lúcia já estava de baixo da mesa; apesar do medo sorriu e abraçou seu irmão. - Nunca mais vou soltar a sua mão, nunca mais!
_ Por que você soltou? Por que você se foi? Por quê?
_Por causa das bonecas. As bonecas são bonitas.
_É mais parece que ele está nas bonecas também. Quando o acharam morto elas estavam perto dele.
_ Não me conte essas coisas Bernad!!
Bernard sorriu timidamente e acariciou o rosto de sua irmã.
_Nós vamos sair daqui, vamos conseguir!
_Psiu! O vulto Bernard, o vulto!
Continua....