Visão celestial
Já tive uma vista de águia, e meus dezessete anos, que voaram em par, na mesma rapidez. Tinha recém deixado o seminário, a batina, o breviário e as convicções no rosário. Estava pronto para ser alvo do maligno, com suas insidiosas tentações.
E ele não perdeu tempo: fez-me sentar na quina duma calçada, divinopolitana se a mente está bem acurada, e me deparar com aquela visão que coraria qualquer vitoriano de plantão. E o que se seguiu, foi o diabo que urdiu: colocou um carro no lado oposto da calçada.
E aqui me foge a certeza de que se tratava de um DKW ou duma Vemaguete, o seguro mesmo é que tinha eu meus dezessete - e não me parece sem razão a emoção daquela canção da Mercedes Sosa, Volver a los diecisiete... - e andava louco pra pintar o sete. Sobre o carro, tenho a dizer que era daqueles cuja porta da frente abria-se ao contrário do usual, escancarando-se para o pecaminoso visual.
E figura central daquele jardim das delícias, de um realismo Boschiano, foi quando surgiu uma dona - e de fato la donna è mobile, principalmente nel automobile - que as pernas abria enquanto do carro descia, e, naquela fração de segundos, meu mundo ruía, e me roía e me fu...lminaria. Bendito automóvel. Por que cargas d´água o tiraram de circulação? Coisa de crente, irmão?