Free coffee
Jorge e Alex entram em uma cafeteria, sentam-se, tiram os casacos molhados da chuva que faz lá fora e olham o cardápio. Uma garçonete se aproxima.
-Boa noite! O que desejam?
-Quero uma xícara de café preto e uma fatia de torta de frango. - Disse Alex
-Quero café e um sanduíche natural.
-Ok! - Disse ela anotando os pedidos e saindo.
Eles ficam olhando em volta e entre si, esperando um assunto chegar. Como Alex, em geral, é mais astucioso, Jorge resolveu dar a luz da conversa pra mostrar que também tem sua aptidão para iniciar assuntos interessantes.
-Hoje em dia as pessoas andam confundindo discursos de ódio com liberdade de expressão. - Disse secamente.
Alex fez um ar reflexivo por um segundo enquanto pensava e retrucou:
-Não vejo como isso seja possível.
Mas antes que pudesse continuar o argumento, a garçonete chega e serve a mesa, desconcentrando-o.
-Com licença! - Disse ela ao terminar e sair.
Alex tira do bolso do seu casaco que está ao seu lado, um cantil e começa a preencher a xícara recém posta à mesa.
-O que é isso?
-Conhaque.
-Ei, coloca na minha também!
Enquanto Alex preenche a outra xícara, continua o assunto:
-Como ia dizendo, não tem como confundirmos liberdade de expressão com o discurso de ódio porque ambos convivem mutuamente.
Eles pausam o diálogo mais uma vez para um brinde e um gole.
-Prossiga!
-A liberdade consiste no livre direito de fazermos o que bem entendemos, desejamos ou pensamos. Se quebramos padrões, regras, leis, tradições, fazemos isso porque somos livres para isso.
-Entendo.
-Porque se só declamar o amor fizer parte da liberdade de expressão e destilarmos nossa raiva contra o que ou quem seja, for um discurso de ódio e taxado como um crime, já não estamos falando de liberdade. O dia que o Brasil achar que esse é o caminho, nos tornaremos uma colossal roda hippie que todas as noites se reunirá em volta da fogueira para cantar Cumbaiá, enquanto a outra metade do país será a carcerária.
-Ha ha ha! Tudo bem, exageros à parte, você não acha que o racismo, a homofobia e a xenofobia devem ser combatidos? Eles são um câncer social.
-Concordo sim, mas acreditando nos preceitos da liberdade, acho que se for uma grave ofensa verbal, todos temos o pleno direito de processar os agressores, surtindo como pena uma multa ou a prestação de serviços comunitários. Privar o direito de ir e vir, botar alguém na cadeia pelo o que ela pensa ou fala não vai salvar ninguém dos seus preconceitos, o contrário. Não devemos transformar o bom senso em ditadura.
-Concordo com você de certa forma, mas acho que se não pegarmos pesado agora, não teremos a mudança que queremos. Os falsos moralistas são uma legião muito teimosa.
-Mas a mudança está acontecendo pouco a pouco na consciência das pessoas. A luta não vai ser fácil, mas as minorias estão tomando coro na sociedade, só não acho que esse 'ódio aos odiosos' e essa 'censura' sejam necessários.
-Ainda acho que devemos combater com tudo o que temos a reforma desses pensamentos medíocres.
-NA DEMOCRACIA DA OPINIÃO, TEMOS TODOS O DIREITO DE MANDAR A QUEM QUISER A PUTA QUE PARIU! -Disse Alex se exaltando de forma cômica.
Os dois riram.
-E de aceitarmos as livres consequências disso! -Ponderou Jorge
-Sem sombra de dúvidas!
Alex pediu mais dois cafés, mas impaciente, sacou o cantil e deu logo um gole e depois ofereceu a Jorge para que fizesse o mesmo.
-Nós todos somos livres! - Continuou Alex enquanto guardava o cantil em seu casaco - Livres para escolhermos onde ficaremos presos. A quem e a quê! E temos liberdade para enfeitarmos nossas algemas e ensaiarmos o coral da nossa cela.
-Sim, faz parte da liberdade escolher a coleira que usaremos, seja de um cônjuge chato e possessivo ou o de um chefe explorador e ingrato.
Alex demonstra um singelo sorriso de aprovação. A garçonete chega e serve os cafés. O silêncio paira. Enquanto Jorge pensa em como articular um bom argumento sobre como não confundir liberdade com libertinagem, Alex imagina uma maneira de como sair sem pagar.
Talvez friamente saindo pela porta, pensou. Sou livre!