562-JESUS EM ALEXANDRIA-História de Jesus - 4o.

José encontrou, com alguma dificuldade, uma casa apropriada para abrigar a família, e com um telheiro onde podia trabalhar. No segundo dia após a chegada, descansados, José levou Maria e Jesus ao templo. Fez então sacrifício de agradecimento por ter saído de Belém antes da terrível matança das crianças e pela viagem na boa companhia dos três sábios mercadores do Oriente.

A pequena família se adaptou facilmente à nova vida em Alexandria. Jos´[e, Maria e Jesus moravam no bairro dos judeus e se integraram rapidamente à comunidade. Hábil carpinteiro e marceneiro começou a trabalhar tão logo colocou em ordem a oficina no telheiro aberto agregado à casa de morada.

Jesus era dócil e tranquilo. Crescia com saúde e no devido tempo, estava engatinhando por toda a casa e até na oficina de José. Então, o velho pai o pegava com o máximo cuidado e o levava para dentro, a fim de evitar que cavacos e farpas de madeira arranhassem a pele tenra, devolvendo-o aos cuidados de Maria.

A mãe nunca se afastava do bairro, pois ali encontrava de tudo o que precisava para a alimentação da família e manutenção da casa. Sua vida era cuidar de José e de Jesus.

José, por força do ofício, saia constantemente, pois trabalhava nos edifícios do centro da grande cidade, nos palácios residenciais ou nas construções mandadas erigir pelo governador. Pela importância e magnitude de seus edifícios, Alexandria era conhecida como “A Cidade dos Palácios”. Entretanto, recusava-se a trabalhar nos templos dos deuses pagãos. Aliás, evitava até mesmo a passar pelos locais onde havia templos ou áreas onde futuros templos estavam sendo construídos. Judeu ortodoxo, não admitia outro deus senão Javé e abominava todos os demais cultos.

Mas não se esquivava em passar pelo porto, de onde podia admirar o farol, imensa construção erigida da ilha de Faros, encimada por uma torre no to da qual estava o farol: uma grande pira que ardia noite e dia e cuja luz, refletida por engenhoso sistema de lâminas de metal polido, era vista de longa distância, e servia de orientação para os navios.

A Esfinge altaneira construída em granito cor de rosa, trazido de muito longe, era outro monumento que merecia a atenção de todos os transeuntes. José admirava a construção, embora representasse uma entidade mística e, portanto, condenável sob o ponto de vista religioso dos Judeus.

A biblioteca, um enorme edifício que abrigava milhares de rolos de papiros nos quais estava registrado todo o conhecimento do mundo contemporâneo. Já era famosa então, tanto pela quantidade de obras que ali estavam como pela freqüência dos sábios e letrados que procuravam conhecimento, como pelas amplas dependências que usavam para estudos, reuniões ou debates. Também os judeus a freqüentavam. Séculos passados, na Biblioteca haviam se reunido 72 sábios judeus, convocados por Ptolomeu II, para fazerem uma tradução grega da Tora, o livro sagrado dos judeus. Por tudo isso e pela própria magnitude, José admirava a Biblioteca.

Jesus desenvolvia-se normalmente. Sua vida era apenas de folguedos, na companhia dos outros garotos da vizinhança. Esperto e vivaz brincava na rua, dentro de casa e ia até as casas dos amiguinhos.

José fazia para o menino delicados brinquedos de madeira: barcos com velas de tecido, carruagens semelhantes bigas e engenhosos brinquedos de armar. Jesus e os companheiros passavam muitas tardes fazendo minúsculos vasos e pequenas esculturas de argila que representavam camelos, pássaros, ovelhas e outros animais comuns na região.

Contudo, Maria não gostava quando os meninos se afastavam para pegar argila nas margens do rio. “O rio é traiçoeiro e as crianças, descuidadas”, dizia a José.

Mas não havia proibições a Jesus nem a nenhum dos garotos, embora a preocupação de Maria fosse justificada.

Um período de chuvas que impregnou tudo de umidade: roupas, calçados e tapetes. As paredes criaram mofo. José era obrigado a secar a madeira ao calor do fogo, para poder usá-la na oficina.

Jesus estava com seis anos. Ele e seus amiguinhos estavam tirando argila no barranco. A terra, encharcada, era macia e fácil de ser trabalhada. Entretidos, não haviam percebido que a enxurrada havia cortado o barranco como se fosse manteiga.

Enquanto retiravam porções de barro com as mãozinhas ágeis, o barranco ruiu. Os meninos correram apavorados e gritando. Todos, menos Ephraim, conseguiram se evadir a tempo. Entretanto, Ephraim, filho de Yaron, foi apanhado pelo alude que pegou a perna esquerda, prendendo-o sob um grande peso.

Ephraim soltou um grito fino e alto. Os amigos pararam e olharam para trás. Jesus voltou correndo para onde estava o amigo, imóvel e gemendo de dor, com a perna enterrada sob a massa de terra. Com as pequenas mãos, começou a esgravatar a terra mole, na tentativa de livrar a perna soterrada. Os outros companheiros fizeram o mesmo. Chegaram dois homens com pás e logo livraram o menino, arrastando-o para um lugar seco.

Ao tentar se levantar, não conseguiu. Gritou de dor e permaneceu sentado no chão. Jesus limpou a perna de Ephraim e descobriu um ferimento no tornozelo. Um filete de sangue escorria sobre o pé.

— Fica quieto, Ephraim, isto vai passar. — Jesus falou, numa ordem suave.

Colocou as duas mãos sobre a ferida. O menino acalmou-se e parou de soluçar. Os homens queriam levá-lo, mas Jesus olhou-os com firmeza e manteve as mãos sobre o ferimento, até que Ephraim disse:

— A dor está passando.

Jesus manteve suas mãos sobre o tornozelo por mais alguns minutos. Então, disse ao amiguinho:

— Agora pode se levantar.

Ephraim se colocou de pé e examinou a perna. Nada havia que indicasse ferimento. Até mesmo o sangue havia desaparecido.

Correndo, o bando de garotos — Jesus entre eles — se afastou, com se nada de excepcional houvesse acontecido.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 17 de setembro de 2009-

Conto # 581 da Série 1.OOO-Histórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 03/12/2014
Reeditado em 03/12/2014
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