559-A PARTIDA PARA O EGITO -História Jesus- 2o.

outra história de Jesus - 2o capítulo

José não era um expansivo nem comunicativo. Ao contrário, entregava-se constantemente aos seus devaneios enquanto trabalhava na pequena oficina, na agora distante pequena cidade Nazaré, na Galiléia, bem ao norte de Jerusalém.

Podia contar nos dedos da mão direita quantas vezes se afastara de Nazaré, onde vivera até a ocasião da ida a Belém, para o registro obrigatório pelo édito de Herodes. Em Nazaré nascera, crescera e tornara-se um homem piedoso, respeitador da Lei, dos usos e costumes de seu povo. De vida simples, vivia do trabalho com madeiras e tinha uma boa posição na comunidade. Descendia de família cujas raízes chegavam à Casa de Davi. O que encheria de orgulho qualquer judeu, não era muito considerado por José.

Nos últimos meses, uma estranha sensação de isolamento tomara conta de sua mente e de seu coração. Desde que assumira o casamento com Maria, uma jovem que poderia ser sua filha, sentia uma inquietação que vinha aumentando constantemente.

Em Belém, à natureza reservada e tímida de José acrescentaram-se as preocupações com Maria e Jesus. Observava com satisfação a recuperação de Maria, após dar a luz a Jesus. O menino era sadio e alimentava-se bem no peito da mãe. Ainda assim, José se preocupava.

Uma coisa estava certa em sua cabeça: não desejava voltar a Nazaré. Sentia que ele e sua família seriam motivos de comentários nada elogiosos, como havia acontecido antes de se casar, estando Maria já esperando a criança. Principalmente, não queria submeter Maria às fofocas que corriam por lá. Durante a viagem, a idéia de mudar-se para outra região, de viver em um ambiente diferente, tomara corpo.

As notícias e boatos da situação política da Judéia corriam sem parar. Antes e depois do recenseamento, devido á grande movimentação dos judeus entre as cidades da Judéia, uma onda de novidades passava de boca em boca. Na casa de Jezael, onde permanecia José com a família, eram constantes os comentários sobre a situação do reino. Herodes era considerado um tirano e a sujeição a Roma nunca fora aceita plenamente pelos judeus.

O Reino da Judéia era, na ocasião, um protetorado de Roma, com um rei local e sob o controle de um procurador romano. Esta dualidade de poder gerava tensões políticas que tinham reflexos sobre a população.

Herodes era o rei quando Jesus nasceu. Os dias do seu governo eram cheios de intranqüilidade. A cada semana uma nova ordem, um decreto diferente, instalava mais e mais ansiedade nos judeus, principalmente entre os pobres e os humildes.

Havia entre os judeus diversos grupos que diferiam entre si na interpretação da Lei. Saduceus, fariseus, zelotes e essênios eram facções importantes, cada qual interpretando ou vivendo a Lei à sua maneira. José, que não pertencia a nenhum grupo de interpretes da Lei, tinha uma boa posição na comunidade. Não era pobre. Tinha algumas economias, que trouxera consigo nesta viagem ao sul. Com estas economias, posso instalar-me em qualquer outra cidade. Há sempre procura dos serviços de marceneiro e carpinteiro e ainda tenho muita energia para o trabalho, pensava.

Quando os mercadores Melchior, Baltazar e Gaspar visitaram Jezael e presentearam Jesus com ouro, mirra e incenso, José sentiu que, com eles, poderia viajar para outras terras. Jezael não se mostrou favorável à idéia.

—Eles vão para Alexandria. Fica muito longe. É muito difícil morar entre estrangeiros.

José, que já havia se informado, respondeu à argumentação do amigo que o acolhera:

— Em Alexandria vivem muitos judeus. Me disseram que existe uma verdadeira cidade de judeus dentro de Alexandria e que são muito unidos.

Maria não contrapôs uma palavra à vontade do marido.

José comprou três camelos para transportar Maria com o menino, ele próprio e seus pertences. Os caravaneiros aceitaram com satisfação a presença da família na já longa caravana, que partiu, em madrugada de rubro alvorecer, que prenunciava a chegada da primavera na Terra Prometida.

A organização da caravana era motivo de cuidado pelos chefes e guias, cada grupo devia ocupar e manter sua posição, a fim de haver uma ordem elementar durante a viagem. A caravana que deixava Belém estava dividida em três grandes grupos: o primeiro liderado por Baltazar, o segundo por Gaspar e o terceiro por Melchior.

José foi colocado no início do primeiro grupo, ao lado de Baltazar, uma posição de honra. Os dois conversavam sempre que possível e Baltazar ia passando a José as informações sobre a viagem e sobre Alexandria, acidade em que José deseja fixar residência. Além disso, José e Maria estavam livres da poeira levantada pela coluna, que incomodava muito os que vinham na retaguarda.

Apenas uma semana havia decorrido da partida quando chegaram terríveis notícias, trazidas por viajantes que alcançavam e ultrapassavam a caravana: o rei Herodes havia mandado matar todas as crianças de Belém, com menos de dois anos de idade. As notícias não explicavam a causa de tão cruel decreto, mas Baltazar, homem de muita experiência e sabedoria, confidenciou a José:

— Com toda a certeza, este decreto está ligado ao nascimento de seu filho. Não havia em Belém ninguém mais importante do que você, que pertence à Casa de Davi. Dê graças a Jeová por ter saído de Belém a tempo de salvar Jesus de morte certa.

Ao anoitecer daquele dia em que recebera a notícia, fez sacrifícios e orou a Deus, agradecendo a pela exclusão da morte prematura e sobrevivência de Jesus.

Lentamente, a caravana prosseguia na travessia do deserto do Sinai, rumo ao Egito.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 8 de setembro de 2009

Conto # 559 da série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 01/12/2014
Reeditado em 01/12/2014
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