...ACONTECEU NA DITADURA!
AVIS RARA - UM GIGANTE INESQUECÍVEL.
AVIS RARA - UM GIGANTE INESQUECÍVEL.
(um texto escrito por jlc - jan)
Essa é uma história real, acontecida nos idos de 1968 que, ouso publicá-la, ao tomar conhecimento dos apelos irresponsáveis que diariamente são feitos, pelos inconformados com a derrota nas eleições para a presidência da, até por enquanto, graças a Deus, nossa feliz e liberta Nação. Estamos, infelizmente, vivendo um ignóbil apelo, de que substituam nossa presidente eleita, licitamente, por uma maioria da população, por uma ditadura militar, preferindo o retrocesso, corroborado, em seus inconsequentes apelos, pela famigerada imprensa MARROM.
Aqueles que não viveram a experiência, de uma ditadura, não têm noção da barbárie e das consequências que ela provoca. É de pasmar a irresponsabilidade de quem assim a deseja, para curar suas frustrações, de uma derrota eleitora. È inacreditável, tamanha imbecilidade e covardia!
Darei, a seguir, um exemplo, contudente, do que foi a ditadura militar e espero que os jovens, os senhores e senhoras, da nossa, agora, bendita Pátria, aqueles que, jamais, sentiram suas irresponsáveis consequências e o que essa maldita barbárie causou em nosso povo, e do que foram capazes nossos algozes, naquela maldita época, quando ao se julgarem deuses ou reis intocáveis e insubstituíveis, produziram, irresponsável e covardemente, as mais dolorosas mazelas em suas vítimas, inocentes, do nosso povo, sem dó nem piedade.
Felipão tinha sido o corajoso chefe do Comando Geral dos Trabalhadores, uma dissidência da atual CGT – Central Geral dos Trabalhadores.
Na ditadura, fora preso e torturado nos seus porões. Em consequência das agressões que sofrera, tivera que ser internado no Hospital dos Marítimos, exatamente ao lado do quarto de Jan que, ao lembrar-se desse fato, dizia: "Essa feliz coincidência poderia ter várias definições: sorte; um incrível, casual e emocionante encontro para mim; armações do destino, as quais eu agradeço, eternamente, pois tive a oportunidade de conhecer e conviver com o maior exemplo de honestidade, coragem, ética, dignidade, força de caráter e de espírito, um fantástico ser humano, mesmo na adversidade. Um exemplo de homem jamais visto, que nos causava forte admiração.
Jan sempre enfatizava isso: “Jamais vi ou ouvi aquele Homem (com H maiúsculo de propósito, para homenagear um ser raro, um grande e, talvez o maior líder classista daquela época) fazer uma queixa ou reclamar de qualquer coisa, nem do tratamento humilhante vigiado que era, diuturnamente, por policiais que se revezavam em sua porta, no corredor do hospital. Essa constatação Jan fez, no pouco tempo de convivência que teve, quando, também, estava internado no mesmo hospital, no quarto ao lado do dele. Felipão nunca contara as torturas que sofrera no DOI-CODE, uma subdivisão do DOPS e olha que foram muitas! Seu alto astral, diante da tamanha adversidade que o envolvia, emocionava a todos que o conheceram. Naquela época, as arbitrariedades, os suplícios, as maldades e todas as covardias, eram praticadas impunemente, pelos militares. Infeliz de quem os criticasse ou ousasse ser contra eles, assim diziam..."
Certo dia, no hospital, alguém declarou, em tom de confidência, e a notícia espalhou-se como um rastilho de pólvora: “Centenas desses combatentes, pseudo-comunistas, eram lançadas para fora de aviões da FAB, de grande altitude a mais de 600 (seiscentas) milhas da costa, em pleno oceano, sem sequer, ao menos, lhes darem alguma chance de se salvarem. Nem salva-vidas forneceram-lhes...”
Jan, quando pensava se aquilo que ouvira, podia ser verdade, ficava triste. Se perguntássemos o porquê daquela mudança repentina de humor, ele pedia um pouco de água gelada e falava: "Uma pergunta, que não me deixa calar: quais foram os covardes que contribuíram, sordidamente, com a famigerada ditadura militar e aceitaram a ordem de conduzirem, os revolucionários, pseudo-comunistas e comunistas convictos, todos aqueles infelizes combatentes da ditadura, para a morte? Quem foi ou foram esses pusilânimes que pilotavam, várias vezes, aviões lotados deles e despejava-os no mar, sem nenhuma dó, nem piedade por seus compatriotas dissidentes, sem salva-vidas ou paraquedas, a mais de 600 (seiscentas) milhas da costa brasileira, já em águas internacionais, para servirem de comidas aos muitos tubarões que, certamente, infestavam aquelas águas, minuciosas e propositadamente, escolhidas?"
Talvez esteja nesse comentário ouvido por Jan a resposta do por quê das famílias não acharem os restos mortais de seus bravos e infelizes parentes, covardemente mortos, assassinados que foram por alguns inescrupulosos militares, induzidos pela famigerada ditadura ou quem sabe por inexplicável, compulsória obediência, aos seus superiores. Infelizmente, jamais saberemos da verdade real.
Jan era, diariamente, visitado por Felipão. Ambos conversavam sobre tudo e Jan se deliciava ouvindo as piadas dele. Dia a dia, a amizade, deles, crescia e Jan, cada vez mais, admirava o caráter daquele “Homem especial, de comunicação tão fácil”.
“Ele era um gigante de espírito forte e sua força interior, sua dignidade, sua coragem e inteligência faziam com que todos que o cercavam o admirassem e ficassem fascinados. Que personalidade!”
“Quem foram os covardes que puderam se arvorar a Deus e decidir sobre a vida daquelas infelizes pessoas? Se juntássemos milhares de seus algozes e pudéssemos soma-los, não daria um Felipão. A empatia que produzia era imediata. Não havia no hospital quem não quisesse ser amigo dele e tome piada! Ele não esgotava nunca seu estoque. Ia daquelas mais puras de salão às mais audaciosas, indecentes e pornográficas, que arrancavam sonoras gargalhadas de todos. Para cada ocasião, para cada ouvinte, ele escolhia com facilidade a que poderia impressionar a todos. Ele era o companheiro de quem ninguém poderia sequer imaginar prescindir. Foram, infelizmente, apenas quatro meses, de um inesquecível relacionamento e da mais pura, sincera e desinteressada amizade”.
Jan, ao falar sobre Felipão, ficava com os olhos cheios de lágrimas. Por ser muito emotivo, a lembrança do amigo, a saudade dele, transtornava-o, ele se desfigurava completamente, ficava muito triste, pensativo, sorumbático, macambúzio mesmo. Tornava-se necessário um grande esforço para trazê-lo de volta à realidade.
“Certa vez, Jan continuou contando: dei uma festa no meu quarto do hospital. Fizemos juntos, eu, Felipão e Roberto, a estratégia de como seria e partimos para a execução: mandei que trouxessem da minha casa duas garrafas de uísque Balantines; Roberto providenciou a compra de cerveja e uma forma de mantê-las geladas e ainda trouxe de casa vários discos (long-plays de propriedade de sua irmã – a cantora, famosa na época, Rosita Gonzalez – mais três lindas acompanhantes. Duas enfermeiras, do andar, trouxeram salgadinhos de casa. Para garantir o sucesso da festinha convidamos, também, o médico ortopedista e vice-diretor do hospital, Dr. Airton. Exatamente às 22h00, chegaram os convidados Dançaram, beberam, conversaram, contaram piadas, cantaram e riram muito, enquanto eu, impossibilitado de tudo, por estar imobilizado na cama, apenas assistia. Assim mesmo, delirei! Jamais me diverti tanto! Mas a alegria durou pouco. No dia seguinte a chefe do andar, uma enfermeira acreana, feia e mal humorada, adentrou, repentinamente, no meu quarto acompanhada do vice-diretor do hospital, nosso convidado Dr. Aírton e, como se fosse a dona do nosocômio, foi logo dizendo, cheia de empáfia: “ Sr. Jan, o senhor, nesse momento, será expulso do hospital pela festa que teve a coragem de dar ontem aqui, em seu quarto, tarde da noite. Quando ela acabou de falar eu olhei para o médico, vice-diretor que, inteligente e estrategicamente, se posicionara por trás de sua auxiliar e, ato contínuo, piscou o olho para mim e disse:
- Minha cara, chefe de enfermagem, se não me engano, dito pelo senhora mesma, é a primeira vez que o Sr. Jan comete uma alteração no hospital, não é?
- É sim senhor, doutor!
- Então, se o Sr. Jan prometer que se comportará, a partir de hoje, eu prometo perdoar esse seu deslize e dar mais uma chance, que tal?
- Obrigado doutor, pode ficar tranquilo que nunca mais isso acontecerá, prometo!
Resolvido o problema, graças ao doutor, o danado do gozador saiu com a enfermeira chefe e à noite voltou para nos visitar e dar bastante gargalhada conosco, imitando a palhaça da chefe de enfermagem. Ele foi hilário! Só não chamamos a chefe de enfermagem de bonita, no mais, valeu tudo!...”
Vida que segue: Passados quarenta e cinco dias que Jan estava naquele “maldito quarto”, preso à cama, foi levado para o ambulatório, onde retiraram a tala e engessaram sua perna esquerda, do pé à virilha. Após vários aconselhamentos de como deveria se comportar com a perna engessada levaram-no para o quarto, mas desta vez “pilotando” uma cadeira de rodas.
No dia seguinte, Jan recebeu a visita do Felipão que o convidou a dar umas voltas pelo corredor, o que ele aceitou de imediato. Quando passavam por uma das diversas portas dos quartos encontraram a linda funcionária, assistente social da instituição, que vinha acompanhada dos filhos: um menino e uma linda menininha. Pois não é que o asno do tal do Jan convidou as crianças para participarem de uma corrida de cadeiras de rodas? O Felipão com o garoto e ele com a menininha, cada uma das crianças em pé atrás de cada uma das cadeiras de rodas. Com a aquiescência da mãe, evidentemente, iniciaram a corrida pelo longo corredor e, quando parecia que o Felipão ia ganhar, Jan deu uma fechada nele e ambos capotaram. Jan, então, gritou: Empatamos! Caíram todos no chão, rindo muito e apesar de ninguém se machucar, levaram outro esporro, da mãe das crianças. A sorte é que ela flertava com Jan e não fez queixa do fato a ninguém. Mas, talvez por causa, disso, ela nunca mais o visitou.
Após tão longo tempo de orgias, naquela boate-hospital, afinal deram alta a Jan que voltou para casa e nunca mais voltou ao local.
Bem, o Felipão, infelizmente, faleceu algum tempo depois. A doença dele era incurável – trombose nas pernas, em ambas, de tanto apanhar da polícia – e, certamente, como tinha que cortá-las, sempre que gangrenava, fatalmente chegaria o dia em que não poderia mais operar e morreria, como de fato viera a falecer, tempos depois, de septicemia – infecção generalizada, produzida pela gangrena – para a qual não existia, ainda, na época, antibiótico que a curasse.
Jan sempre declarava: “Perdi para a maldita ditadura, um dos poucos amigos que tive na minha vida. Foi o único grande e honrado Homem que tive o prazer de conhecer, o maior exemplo de ser humano, o único que assisti conviver com dignidade sua condenação à morte, sabendo que um dia e muito breve morreria, sem nunca disso fazer qualquer comentário, nem ficar triste sequer um segundo, pelo contrário, sempre sorrindo e fazendo os outros sorrirem, com seu repertório inesgotável de piadas, o que me faz, sempre que dele me lembro, me emocionar”.
Certa vez, quando Jan contou a uma amiga essa história, desculpou-se por ter-se emocionado às lágrimas:
- Desculpa-me, Malu querida!
- Que nada, Jan, não tens que me pedir desculpas! Enquanto eu ouvia o teu relato tive a mesma impressão e a mesma reação: emocionei-me, creio que, por tudo que eu ouvi, sobre o Felipão, uma das tantas vítimas que a ditadura produzira... Que Deus o tenha!
Escrevi esse texto, com conhecimento de causa, pois fui uma das vítimas da famigerada ditadura. Eu era um jovem oficial da Marinha Mercante brasileira e quando meu navio aportara no porto afastado de Miami, quando eu, sem esperar, no centro daquela linda cidade, fui avisado, por telegrama do inesquecível amigo, já falecido, Oscar Bigode, chefe da bateria da Escola de Samba da Portela, que eu havia sido cassado em todos os meus direitos políticos e civis, com perdas e danos morais, materiais e trabalhistas, demitido que fora da Cia. em que eu trabalhava, na época, o Loide Brasileiro (P.N).
Foram muitos os relatos sobre esse triste período, da nossa história, que tive o desprazer de, como uma de suas inúmeras vítimas, viver e assistir, os quais publicarei posteriormente.
É isso que vocês querem novamente?
Nossa Nação não merece uma desgraça como essa!!!
Aqueles que não viveram a experiência, de uma ditadura, não têm noção da barbárie e das consequências que ela provoca. É de pasmar a irresponsabilidade de quem assim a deseja, para curar suas frustrações, de uma derrota eleitora. È inacreditável, tamanha imbecilidade e covardia!
Darei, a seguir, um exemplo, contudente, do que foi a ditadura militar e espero que os jovens, os senhores e senhoras, da nossa, agora, bendita Pátria, aqueles que, jamais, sentiram suas irresponsáveis consequências e o que essa maldita barbárie causou em nosso povo, e do que foram capazes nossos algozes, naquela maldita época, quando ao se julgarem deuses ou reis intocáveis e insubstituíveis, produziram, irresponsável e covardemente, as mais dolorosas mazelas em suas vítimas, inocentes, do nosso povo, sem dó nem piedade.
Felipão tinha sido o corajoso chefe do Comando Geral dos Trabalhadores, uma dissidência da atual CGT – Central Geral dos Trabalhadores.
Na ditadura, fora preso e torturado nos seus porões. Em consequência das agressões que sofrera, tivera que ser internado no Hospital dos Marítimos, exatamente ao lado do quarto de Jan que, ao lembrar-se desse fato, dizia: "Essa feliz coincidência poderia ter várias definições: sorte; um incrível, casual e emocionante encontro para mim; armações do destino, as quais eu agradeço, eternamente, pois tive a oportunidade de conhecer e conviver com o maior exemplo de honestidade, coragem, ética, dignidade, força de caráter e de espírito, um fantástico ser humano, mesmo na adversidade. Um exemplo de homem jamais visto, que nos causava forte admiração.
Jan sempre enfatizava isso: “Jamais vi ou ouvi aquele Homem (com H maiúsculo de propósito, para homenagear um ser raro, um grande e, talvez o maior líder classista daquela época) fazer uma queixa ou reclamar de qualquer coisa, nem do tratamento humilhante vigiado que era, diuturnamente, por policiais que se revezavam em sua porta, no corredor do hospital. Essa constatação Jan fez, no pouco tempo de convivência que teve, quando, também, estava internado no mesmo hospital, no quarto ao lado do dele. Felipão nunca contara as torturas que sofrera no DOI-CODE, uma subdivisão do DOPS e olha que foram muitas! Seu alto astral, diante da tamanha adversidade que o envolvia, emocionava a todos que o conheceram. Naquela época, as arbitrariedades, os suplícios, as maldades e todas as covardias, eram praticadas impunemente, pelos militares. Infeliz de quem os criticasse ou ousasse ser contra eles, assim diziam..."
Certo dia, no hospital, alguém declarou, em tom de confidência, e a notícia espalhou-se como um rastilho de pólvora: “Centenas desses combatentes, pseudo-comunistas, eram lançadas para fora de aviões da FAB, de grande altitude a mais de 600 (seiscentas) milhas da costa, em pleno oceano, sem sequer, ao menos, lhes darem alguma chance de se salvarem. Nem salva-vidas forneceram-lhes...”
Jan, quando pensava se aquilo que ouvira, podia ser verdade, ficava triste. Se perguntássemos o porquê daquela mudança repentina de humor, ele pedia um pouco de água gelada e falava: "Uma pergunta, que não me deixa calar: quais foram os covardes que contribuíram, sordidamente, com a famigerada ditadura militar e aceitaram a ordem de conduzirem, os revolucionários, pseudo-comunistas e comunistas convictos, todos aqueles infelizes combatentes da ditadura, para a morte? Quem foi ou foram esses pusilânimes que pilotavam, várias vezes, aviões lotados deles e despejava-os no mar, sem nenhuma dó, nem piedade por seus compatriotas dissidentes, sem salva-vidas ou paraquedas, a mais de 600 (seiscentas) milhas da costa brasileira, já em águas internacionais, para servirem de comidas aos muitos tubarões que, certamente, infestavam aquelas águas, minuciosas e propositadamente, escolhidas?"
Talvez esteja nesse comentário ouvido por Jan a resposta do por quê das famílias não acharem os restos mortais de seus bravos e infelizes parentes, covardemente mortos, assassinados que foram por alguns inescrupulosos militares, induzidos pela famigerada ditadura ou quem sabe por inexplicável, compulsória obediência, aos seus superiores. Infelizmente, jamais saberemos da verdade real.
Jan era, diariamente, visitado por Felipão. Ambos conversavam sobre tudo e Jan se deliciava ouvindo as piadas dele. Dia a dia, a amizade, deles, crescia e Jan, cada vez mais, admirava o caráter daquele “Homem especial, de comunicação tão fácil”.
“Ele era um gigante de espírito forte e sua força interior, sua dignidade, sua coragem e inteligência faziam com que todos que o cercavam o admirassem e ficassem fascinados. Que personalidade!”
“Quem foram os covardes que puderam se arvorar a Deus e decidir sobre a vida daquelas infelizes pessoas? Se juntássemos milhares de seus algozes e pudéssemos soma-los, não daria um Felipão. A empatia que produzia era imediata. Não havia no hospital quem não quisesse ser amigo dele e tome piada! Ele não esgotava nunca seu estoque. Ia daquelas mais puras de salão às mais audaciosas, indecentes e pornográficas, que arrancavam sonoras gargalhadas de todos. Para cada ocasião, para cada ouvinte, ele escolhia com facilidade a que poderia impressionar a todos. Ele era o companheiro de quem ninguém poderia sequer imaginar prescindir. Foram, infelizmente, apenas quatro meses, de um inesquecível relacionamento e da mais pura, sincera e desinteressada amizade”.
Jan, ao falar sobre Felipão, ficava com os olhos cheios de lágrimas. Por ser muito emotivo, a lembrança do amigo, a saudade dele, transtornava-o, ele se desfigurava completamente, ficava muito triste, pensativo, sorumbático, macambúzio mesmo. Tornava-se necessário um grande esforço para trazê-lo de volta à realidade.
“Certa vez, Jan continuou contando: dei uma festa no meu quarto do hospital. Fizemos juntos, eu, Felipão e Roberto, a estratégia de como seria e partimos para a execução: mandei que trouxessem da minha casa duas garrafas de uísque Balantines; Roberto providenciou a compra de cerveja e uma forma de mantê-las geladas e ainda trouxe de casa vários discos (long-plays de propriedade de sua irmã – a cantora, famosa na época, Rosita Gonzalez – mais três lindas acompanhantes. Duas enfermeiras, do andar, trouxeram salgadinhos de casa. Para garantir o sucesso da festinha convidamos, também, o médico ortopedista e vice-diretor do hospital, Dr. Airton. Exatamente às 22h00, chegaram os convidados Dançaram, beberam, conversaram, contaram piadas, cantaram e riram muito, enquanto eu, impossibilitado de tudo, por estar imobilizado na cama, apenas assistia. Assim mesmo, delirei! Jamais me diverti tanto! Mas a alegria durou pouco. No dia seguinte a chefe do andar, uma enfermeira acreana, feia e mal humorada, adentrou, repentinamente, no meu quarto acompanhada do vice-diretor do hospital, nosso convidado Dr. Aírton e, como se fosse a dona do nosocômio, foi logo dizendo, cheia de empáfia: “ Sr. Jan, o senhor, nesse momento, será expulso do hospital pela festa que teve a coragem de dar ontem aqui, em seu quarto, tarde da noite. Quando ela acabou de falar eu olhei para o médico, vice-diretor que, inteligente e estrategicamente, se posicionara por trás de sua auxiliar e, ato contínuo, piscou o olho para mim e disse:
- Minha cara, chefe de enfermagem, se não me engano, dito pelo senhora mesma, é a primeira vez que o Sr. Jan comete uma alteração no hospital, não é?
- É sim senhor, doutor!
- Então, se o Sr. Jan prometer que se comportará, a partir de hoje, eu prometo perdoar esse seu deslize e dar mais uma chance, que tal?
- Obrigado doutor, pode ficar tranquilo que nunca mais isso acontecerá, prometo!
Resolvido o problema, graças ao doutor, o danado do gozador saiu com a enfermeira chefe e à noite voltou para nos visitar e dar bastante gargalhada conosco, imitando a palhaça da chefe de enfermagem. Ele foi hilário! Só não chamamos a chefe de enfermagem de bonita, no mais, valeu tudo!...”
Vida que segue: Passados quarenta e cinco dias que Jan estava naquele “maldito quarto”, preso à cama, foi levado para o ambulatório, onde retiraram a tala e engessaram sua perna esquerda, do pé à virilha. Após vários aconselhamentos de como deveria se comportar com a perna engessada levaram-no para o quarto, mas desta vez “pilotando” uma cadeira de rodas.
No dia seguinte, Jan recebeu a visita do Felipão que o convidou a dar umas voltas pelo corredor, o que ele aceitou de imediato. Quando passavam por uma das diversas portas dos quartos encontraram a linda funcionária, assistente social da instituição, que vinha acompanhada dos filhos: um menino e uma linda menininha. Pois não é que o asno do tal do Jan convidou as crianças para participarem de uma corrida de cadeiras de rodas? O Felipão com o garoto e ele com a menininha, cada uma das crianças em pé atrás de cada uma das cadeiras de rodas. Com a aquiescência da mãe, evidentemente, iniciaram a corrida pelo longo corredor e, quando parecia que o Felipão ia ganhar, Jan deu uma fechada nele e ambos capotaram. Jan, então, gritou: Empatamos! Caíram todos no chão, rindo muito e apesar de ninguém se machucar, levaram outro esporro, da mãe das crianças. A sorte é que ela flertava com Jan e não fez queixa do fato a ninguém. Mas, talvez por causa, disso, ela nunca mais o visitou.
Após tão longo tempo de orgias, naquela boate-hospital, afinal deram alta a Jan que voltou para casa e nunca mais voltou ao local.
Bem, o Felipão, infelizmente, faleceu algum tempo depois. A doença dele era incurável – trombose nas pernas, em ambas, de tanto apanhar da polícia – e, certamente, como tinha que cortá-las, sempre que gangrenava, fatalmente chegaria o dia em que não poderia mais operar e morreria, como de fato viera a falecer, tempos depois, de septicemia – infecção generalizada, produzida pela gangrena – para a qual não existia, ainda, na época, antibiótico que a curasse.
Jan sempre declarava: “Perdi para a maldita ditadura, um dos poucos amigos que tive na minha vida. Foi o único grande e honrado Homem que tive o prazer de conhecer, o maior exemplo de ser humano, o único que assisti conviver com dignidade sua condenação à morte, sabendo que um dia e muito breve morreria, sem nunca disso fazer qualquer comentário, nem ficar triste sequer um segundo, pelo contrário, sempre sorrindo e fazendo os outros sorrirem, com seu repertório inesgotável de piadas, o que me faz, sempre que dele me lembro, me emocionar”.
Certa vez, quando Jan contou a uma amiga essa história, desculpou-se por ter-se emocionado às lágrimas:
- Desculpa-me, Malu querida!
- Que nada, Jan, não tens que me pedir desculpas! Enquanto eu ouvia o teu relato tive a mesma impressão e a mesma reação: emocionei-me, creio que, por tudo que eu ouvi, sobre o Felipão, uma das tantas vítimas que a ditadura produzira... Que Deus o tenha!
Escrevi esse texto, com conhecimento de causa, pois fui uma das vítimas da famigerada ditadura. Eu era um jovem oficial da Marinha Mercante brasileira e quando meu navio aportara no porto afastado de Miami, quando eu, sem esperar, no centro daquela linda cidade, fui avisado, por telegrama do inesquecível amigo, já falecido, Oscar Bigode, chefe da bateria da Escola de Samba da Portela, que eu havia sido cassado em todos os meus direitos políticos e civis, com perdas e danos morais, materiais e trabalhistas, demitido que fora da Cia. em que eu trabalhava, na época, o Loide Brasileiro (P.N).
Foram muitos os relatos sobre esse triste período, da nossa história, que tive o desprazer de, como uma de suas inúmeras vítimas, viver e assistir, os quais publicarei posteriormente.
É isso que vocês querem novamente?
Nossa Nação não merece uma desgraça como essa!!!