556-COMO SIR NEY VIROU SARNEY -Biografia

As vozes se levantaram no senado brasileiro, pedindo explicações, punições e até mesmo a renúncia do seu presidente, José Sarney, ante a desmoralização de sua gestão, no primeiro semestre de 2009.

—Ele deve deixar a presidência — Exigiu o senador Demóstenes Torres.

Ao ser identificado como padrinho político de eminências pardas na administração do Senado, o senador Arthur Virgílio foi mais longe:

—O Presidente Sarney tem duas escolhas: romper com essa gente ou cair com essa gente.

Acuado, o presidente se defende com palavras tíbias:

—Fui eleito para presidir politicamente a casa e não para limpar as lixeiras da cozinha da casa.

Ao que o senador Pedro Simon retrucou:

—Mas, se há lixo nas lixeiras, a primeira coisa que ele tem de fazer é limpá-las, sim. — E exclamou, como se fosse uma revelação:

— Nós, os senadores do Brasil, estamos no fundo do poço.

Na mídia, comentaristas aventam até a hipótese da extinção do Senado brasileiro, instituição arcaica, que, segundo alguns, serve apenas para acomodar velhas raposas da política e que nada produz, a não ser politicagem rasteira.

Lula, o presidente que também agregou apelido ao nome de batismo, lá do Cazaquistão (que estaria Lula fazendo no Cazaquistão?), saiu em defesa do “amigo político” de conveniência.

—A minha solidariedade é porque o presidente Sarney já foi presidente da república, tem muita responsabilidade, tem um passado que lhe garante muitas coisas neste país.

Como é que José Sarney chegou a este ponto de degradação política e moral?

Não é de hoje que o velho cacique, chefe do clã que não larga o osso político do Maranhão, domina o cenário nacional.

Começou com deputado estadual no seu Estado de origem, Maranhão. Foi governador e depois passou à politicagem federal. Deputado federal, senador, e candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves, na primeira eleição após o regime militar. Por uma dessas coisas que acontecem de mil em mil anos, viu-se alçado à presidência.

Era vice-presidente, eleito indiretamente (pelos senadores e deputados) na chapa com Tancredo Neves. Devido a uma crise de diverticulite em Tancredo, manifestada no dia anterior da posse(que seria dia 1º. de janeiro de 1985) , tomou posse como presidente. O exercício na presidência foi validado após a morte de Tancredo, em 21 de abril. Exerceu a presidência por cinco anos (o mandato, inicialmente previsto para 4 anos, foi extendido por um ano, devido a manobras políticas).

Se as maracutaias aparecem agora com estardalhaço, nem por isso deixaram de acontecer durante toda a vida do homem do bigode de escovão. A sua biografia é conhecida e não cabe aqui refazê-la.

O que se pretende é notar como a velha raposa política é lisa como um tubarão. A tal ponto de ter mudado de nome e se valido disso para escapar da cassassão do mandato de deputado federal em 1964.

Batizado José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, ele era conhecido nos primeiros tempos de vida pública, como Zé do Sarney. Isto porque o pai teria o prenome de Sarney, pois era Sarney de Araújo Costa.

E de onde vem este apelido incorporado oficialmente como nome?

Conta-se na capital que o pai, que se chamava Ney, era sócio em uma serraria de um irlandês, que o tratava respeitosamente por Sir Ney (“senhor Ney” e que pronunciava “Sâr Ney” em bom inglês). Daí, o pai adotou o nome Sarney. E o filho era chamado de Zé do Sarney, ou seja, José filho de Sarney.

Já nos primeiros comícios de que participou foi aclamado como Zé Sarney. Eleito para postos mais elevados, manteve o apelido como se fosse o próprio nome. O que lhe facilitou a escapar da cassassão.

É do folclore político que em 1964, após o golpe militar de 31 de março (que, aliás, foi num primeiro de abril, só que não ficava bem uma revolução que se dizia moralizadora ter ocorrido no Dia da Mentira), que Sarney, então deputado federal pelo partido da ultra-direita União Democrática Nacional, José Sarney foi cassado, num ato que também suspendeu os direitos de outros deputados da ala “bossa nova” da UDN.

Mas naquele tempo, Zé Sarney, deputado federal, não existia. Era apenas apelido, não oficial. O deputado ainda tinha o nome de José Ribamar Ferreira de Araújo Costa.

Castelo Branco, então presidente, foi avisado da falha do ato, mas não quis editar um decreto isolado, só para José Ribamar etc. etc.

— Vamos esperar outra chusma de políticos a serem cassados e incluir este tal de Zé Sarney, aliás, José Ribamar etc. etc. — Teria dito Castelo Branco.

Zé Sarney fingiu-se de morto, para não despertar a atenção do governo militar. Nunca se formou outro magote de deputados a serem cassados. O homem do bigode procurou a intervenção de Rachel de Queiroz, sua comadre e também comadre de Castelo, o presidente. E a cassassão de “José Sarney” passou em brancas nuvens.

Só mais tarde, em 1958, serenados os ânimos revolucionários, é que Ribamar virou legalmente Sarney, sem descontinuidade das trampolinagens políticas, que é a marca registrada deste velho cacique da tribo de políticos maranhenses.

A história não acabou. Mas, liso como é, fácil é prever-se que Sarney também sairá incólume desta situação em que sua renuncia é exigida por alguns comparsas do Senado Federal.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 30 de junho de 2009 –

Conto # 556 da Série 1.OOO Histórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/11/2014
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