546-LIÇÃO DE VIDA - Você nas 1.OOO Histórias

Você nas Milistórias # 1 – Idéia de Rosely Julio

Você nas Milistórias é uma série de contos escritos por Antonio Gobbo

em parceria com leitores.

A rotina de Dina não ajudava em nada a superar a timidez. Em casa o pai, sisudo e caladão, só falava em monossílabos e perdia as estribeiras por qualquer coisa. A madrasta... bem...era uma madrasta, e fazia questão de ser a madrasta para a menina-moça.

Aos treze anos, era bem crescida para a idade, mas com as pernas muito finas, o que a desgostava e contribuía para se achar feia e invejar as colegas. O rosto sardento era outra desgraça, que não tinha como esconder, pois na sua idade (e naqueles tempos) usar maquiagem, nem pensar!

No colégio sentia-se também sufocada pelas colegas. Apesar de ter boas notas e estar sempre entre as melhores alunas, apesar de se prontificar a ajudar as amigas, e se oferecer para carregar livros e bolsas dos professores, sentia-se sempre inferior. De nada adiantava também os elogios pelos trabalhos bem feitos ou pela letra bonita e desenhada.

Era um sentimento que vinha lá do fundo de seu coração, e que roia por dentro, causando-lhe tristeza quando as colegas se divertiam e enfado quando era elogiada.

Sete eram as amigas que completavam a turma da qual Dina fazia parte. Não era sempre que ela estava com as outras, mas naquela manhã foi incluída para o que seria uma aventura.

Foi no intervalo para o lanche, às nove e meia da manhã.

— Gente, olha o que comprei ontem. — Janete exibia no dedo anular uma pequena aliança prateada.

— Onde você comprou? — Perguntou Lurdinha.

— Nas Lojas Americanas.

Ela deixou que as colegas examinassem: um anel sem pedras, simples, no estilo de aliança, delicada. Estava em moda. Não apenas uma, mas varias aliancinhas, nos dedos de ambas as mãos.

— A gente podia ir lá agora. — Sugeriu Juliana, a mais desenvolta, a que liderava a turma.

— Não dá tempo. — Dina se preocupava com a próxima aula, após o intervalo.

— Fica perto. Não tem perigo, a gente vai e volta num pulinho. — Uma disse.

— Vamos! Anime-se, Dina, vem com a gente!— Outra falou, já saindo.

Acabou sendo convencia, e lá foi, com as outras, pensando

... um leve atraso na próxima aula não teria importância.

No curto caminho, de apenas alguns quarteirões, as mocinhas se entusiasmaram e começaram a fazer desafios entre elas.

— Quem for corajosa... vai roubar uma aliancinha!

Epa! Assim não dá! Foi o primeiro pensamento de Dina. Roubar, não. Não mesmo!

Mas o diabinho da maldade apareceu com uma tentação.

Quem sabe não pego uma. Umazinha. Afinal, a aliancinha é tão simples, custa tão pouco. A loja é grande... Tanta gente transitando... Nem vão perceber... nem fará falta...

O que não passou pela cabeça de Dina que esta seria uma forma de mostrar que era igual às outras, que podia fazer tudo o que elas imaginavam fazer. A menina tímida desejosa de se superar.

E mostrarei que sou corajosa e, de quebra, vou ter uma aliancinha que nunca poderei comprar.

Nisto ela tinha razão: não recebia mesada, tinha dinheiro apenas para a condução e se quisesse tomar um picolé Kibon, que voltasse a pé para casa.

Com o coração disparado ante a possibilidade da pequena contravenção, Dina entrou com as colegas na loja. No balcão onde estavam as tais aliancinhas, as meninas fizeram confusão, experimentando, comentando, soltando gritinhos de alegria ou de espanto. Como qualquer adolescente, em qualquer parte do mundo.

Dina subitamente colocou uma no bolso da camisa branca, de algodão, que era o uniforme, com a sai xadrez pregueada.

Foi saindo de mansinho, como que tendo desistido de comprar.

Ao passar por um vigilante, é segura pelo braço:

— Espera aí, menina! Cadê a aliancinha que você botou no bolso?

Surpresa e aturdida, em pânico e vergonha, tentou negar.

— Não! Não é verdade. Não roubei, não senhor!

Mas a voz chorosa soava sem convicção e literalmente entregou o ouro.

Foi arrastada ao segundo andar, onde um homem alto, gordo e careca, sentado atrás de uma escrivaninha, começou o interrogatório. Queria saber seu nome, o nome do pai, endereço, telefone.

— Vamos mandar você para a polícia. — Ameaçou o brutamontes. — Você vai ser fichada e...

Dina desmanchou-se num pranto aberto.

— Sim, sim, eu tirei. — Enfiando a mão no bolso da blusa, retirou a aliancinha, que estendeu ao careca.

— Ra-rá! Então você confessa. Hein! — Seguiu-se meia hora de reprimendas, um sabão daqueles, que deixou Dina arrasada.

— Da próxima vez, vai ser levada num camburão e vai ficar presa, ta ouvindo, garota?

— Juro que nunca mais vou fazer isso. — Ela prometeu ao careca.

— Dessa vez vou deixar passar e nem avisarei seu pai. Mas toma cuidado, mocinha.

— Saiu triste, vazia, envergonhada consigo mesma.

Como é que fui cair nessa esparrela?

Chegou atrasada na escola. As colegas já haviam retornado e trocaram olhares significativos quando ela entrou na classe.

Na saída, correu de todas, envergonhada. Mas nos dias seguintes, por estranho que possa parecer, as colegas se mostraram compreensivas e atenciosas, como que querendo amenizar a terrível experiência pela qual havia passado.

Muito tempo depois, Dina entendeu que nem sempre teria de provar a coragem aos outros e sim, a si mesma. E que para isto não é preciso furtar ou fazer algo que fosse contra seus princípios, seus valores e sua ética.

Mas isto foi bem depois. O que contribuiu definitivamente para acabar com seu complexo de inferioridade.

ANTONIO GOBBO E ROSELY JULIO

Conto 546 da Série Milistórias – Belo Horizonte, 7 de maio de 2009 – 880 plvs.

Você nas Milistórias # 1 – Idéia de Rosely Julio

Você nas Milistórias é uma série de contos escritos por Antonio Gobbo

em parceria com leitores.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/11/2014
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