543-SILENCIO QUE CONDENA -Criminal

New York, julho de 1987.

— Padre, me perdoa.

— Fale, meu filho. O que te aflige?

No confessionário, o padre John Tower, na Igreja de Santo Tomaz, se inclinou para melhor ouvir a voz roufenha e baixa. Pela experiência de dezenas de anos de ouvir confissões, sabia da extrema emoção a que estava sujeito o homem ajoelhado do outro lado. Mas jamais poderia imaginar que aquela confissão iria se constituir num verdadeiro peso, o pior teste para sua consciência.

— Matei um homem hoje de manhã.

Um crime de morte! Ao ouvir, o padre recua. Porém, a confissão prossegue Além de entrar em detalhes, que incluía um comparsa, o homem revelou seu próprio nome, Jesus García. Ao final, o criminoso confesso recebe sua penitência, enquanto que o padre permanece no confessionário, meditando sobre o que acabara de ouvir.

Cioso de seu juramento sacerdotal, que impõe ao sacerdote o sigilo sacramental da confissão, não poderia, em hipótese alguma, mesmo em julgamento, revelar o que ouvira naquela tarde quente. Será um segredo que deverá manter enquanto viver. Ou, pelo menos, enquanto Jesus estiver vivo.

New York, dezembro de 1987

Dois mexicanos, José Morales e Ruben Montalvo, foram presos, acusados pelo assassinato cometido por Jesus e levados a julgamento. Vítimas de um processo rápido e cheio de falhas, principalmente pelo fato de serem dois ilegais, foram condenados a quinze anos de prisão. As provas eram circunstanciais e os dois persistiram jurando sua inocência.

O padre John acompanhou pelos jornais o processo. Obediente ao preceito do Direito Canônico da Igreja Católica Apostólica Romana, que prescreve aos seus sacerdotes o silêncio sobre o revelado em confissão, ele trancou dentro de si o terrível segredo.

New York, outubro de 2000

Após doze anos, o advogado de José Morales e Ruben Montalvo, os inocentes condenados, consegue uma revisão do processo. O caso foi para um Tribunal Federal de Apelações. Jesus Garcia havia morrido há alguns meses e o Padre John Tower revelou a identidade dos verdadeiros criminosos.

Os dois inocentes foram liberados, após passarem mais de doze anos presos por um crime que não cometeram, e cuja única testemunha estava impedida de falar, presa a um código religioso que se sobrepõe às normas jurídicas de qualquer país.

New York, 25 se dezembro de 2000

O Padre John Tower foi encontrado morto na sacristia da Igreja de Santo Tomaz. Apunhalado pelas costas. Afixado no cabo do punhal estava um papel sujo, com garatujas escritas com o sangue do próprio padre:

FELIZ NAVIDAD.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 7 de abril de 2009 - Conto # 543 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 22/11/2014
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