538-ANOS DE LOUCURA DO REI DA BABILÔNIA-
8º. Conto da Série Daniel na Babilônia
BABILONIA: terra de mistérios e de lendas, terra de muitos deuses e pouca fé, de reis orgulhosos e destemidos, desafiadores dos deuses. Berço de uma civilização que dominou o mundo de então, onde uma torre que deveria chegar ao céu foi erigida e destruída, e os jardins suspensos não foram até hoje superados como realização de arquitetura ou paisagismo.
Religião e superstições, crendices e medo dominavam a população. Sacerdotes, adivinhos, sábios e profetas pregavam suas idéias, praticavam ritos estranhos e disseminavam as mais bizarras doutrinas.
Os sonhos, sobretudo, eram tidos como avisos e augúrios, e da sua interpretação dependiam todas as atividades, principalmente as épocas de guerra, os locais para construções imponentes, a navegação, enfim, tudo era feito em função dos sonhos e suas interpretações.
Os sonhos do rei Nabucodonosor determinavam o que seria realizado no reino. E para a interpretação dos sonhos havia uma grande corte de sábios e adivinhos, desafiados todas as manhãs nas discussões dos sonhos reais.
O rei, entretanto, tinha sonhos muito estranhos, de difícil interpretação. Um deles, e o que mais influência teve em sua vida, foi aquele que teve já quando o reino estava consolidado, a paz reinava nos quatro cantos do mundo de então e os jardins sobre colunas e cimalhas floriam, enchendo de cores os balcões por onde o rei e a corte passeava nas tardes quentes.
Nas palavras do próprio rei, eis a descrição do estranho e profético sonho:
Vi surgindo da terra uma enorme árvore, de altura incomensurável. Gigantesca, sua galhada atingia o céu e de suas alturas podia se ver todos os paises da terra. A copa era de folhas formosas e estava coberta de frutos, dos quais todos podiam se alimentar. As aves, milhares de espécies, habitavam em seus ramos e animais domésticos e selvagens viviam debaixo dela.
Estava enlevado na magnífica visão da fabulosa árvore quando desceu do céu um ser santo e sagrado que, com voz semelhante ao trovão, me ordenou:
“Esta árvore será cortada pelo tronco, podada a ramagem a fim de que nenhum pássaro, nem animal, possa mais viver sob ela. Mas o tronco permanecerá, ao qual correntes de ferro e de bronze serão atadas. Elas se estenderão entre as ervas e o mato selvagem, e o tronco não morrerá, pois receberá o orvalho da madrugada.
E dirigindo-se a mim, a entidade sagrada disse:
“Seu coração de homem será transformado em coração selvagem e como fera permanecerá por sete tempos atrelado pelas cadeias ao tronco da árvore. Até que, reconhecendo o poder e a vontade daquele que tem o domínio sobre os homens e sobre todos os reinos da terra, voltará ao convívio com os homens.”
Quando o rei narrou o seu sonho, os sábios e adivinhos que usualmente não tinham dificuldade nas interpretações viram-se diante de um enigma indecifrável. Nabucodonosor, vendo a indecisão e o medo que dominava seus conselheiros, mandou chamar Daniel, afastado das funções administrativas no reino, porém muito estimado por Nabucodonosor.
— Ouve, Baltasar, pois este é o nome que te dei, príncipe dos adivinhos. Como eu sei que tens em ti o espírito dos deuses santos de Jerusalém, e que nenhum mistério permanece insolúvel, a quem nenhum mistério é impenetrável, dá-me a tua interpretação ao sonho que tive e acabo de te narrar.
Sentado defronte o rei, pois Daniel era muito considerado por ele, Daniel demorou-se em profunda meditação. O rei o animou:
— Baltasar, não fique perturbado com o sonho nem com a interpretação.
Daniel saindo de sua concentração, disse:
— Que bom se esse sonho fosse contra os que te tem ódio e contra teus inimigos.
— Mas, então que me dizes dele? — Nabucodonosor estava ansioso.
— O que vejo, oh grande rei!, é o seguinte: essa árvore gigantesca, cujo topo chega ao céu, que se estende de um lado a outro da terra, em cuja copa pássaros e aves se aninham e convivem em paz, de frutos abundantes e em cuja sombra pastam animais selvagens e domésticos, esta árvore, Oh! Nabucodonosor! Esta árvore és tu!
O rei se levanta e começa a andar em largas passadas pelo salão real.
— Sim, sim. Mas como poderei ser cortado e minha cepa ser atada com correntes? — Perguntou, exasperado.
— Ouve, Rei da Babilônia e de todas as terras. És a árvore que abrange o mundo pois te tornaste poderoso e a tua grandeza se estende pelos quatro cantos do mundo. Sob teu domínio estão todos os seres vivos, e as aves voam por céus de seu império. Mas serás deitado abaixo, e de ti permanecerá apenas o tronco. Cortarão teu poder e sua companhia será abominável aos homens. Viverás, mas como fera selvagem, atado ás cadeias de ferro e bronze. Por sete tempos, isto é, sete anos, assim serás, até que reconheças que o Deus Único, o Altíssimo, domina o reino dos homens.
Irado, Nabucodonosor não acredita nas palavras de Daniel.
— Como poderei ser transformado em fera e depois retornar ao convívio dos homens?
Daniel, ainda profundamente impressionado pelas revelações que tivera, prossegue explicando:
— Quanto à ordem de manter o tronco da árvore, significa que o teu reino permanecerá conservado e te será devolvido quando, passada a época de provação, reconheceres que todo o poder vem do Deus Único.
— Não vou ficar esperando que ninguém venha me cortar e me atar a correntes. — O rei estava cada vez mais irado. — Diga-me que sacrifícios deverei fazer, quantos templos terei de erguer para esse Deus Único de que me falas, a fim de que tais desgraças não caiam sobre mim.
— Meu conselho — disse Daniel — é que resgates os teus pecados com esmolas, as tuas iniqüidades com obras de misericórdia e tuas traições e infidelidades com carinho e amor para com todos, amigos ou inimigos. Assim, talvez o Senhor Deus Único perdoe os teus delitos.
As palavras calaram fundo no espírito de Nabucodonosor. Passou a comportar-se de modo estranho e retirou-se para os salões mais recônditos e isolados do palácio. Antes de passar um ano, já não reconhecia as pessoas mais íntimas e estranhava até mesmo o próprio palácio. Balbuciava palavras sem nexo e fazia perguntas idiotas:
— Que palácio é este? Quem são vocês? Esta não é a Babilônia que mandei construir para meu gozo e usufruto. Que rei sou eu?
Ao completar um ano da data em que Nabucodonosor tivera o sonho que tanto o atribulara, apareceu de novo em sonho o emissário sagrado, o mesmo que havia lhe falado sobre a grande árvore. Disse:
Eis o que te é anunciado. Oh! Rei Nabucodonosor! O teu reino te será tirado, serás expulso do meio dos homens e passarás a viver com os animais e as feras. Comerás feno como o boi, e sete tempos passarão por sobre sua cabeça, até que reconheças que o Deus Único, o Altíssimo, domina sobre todos os reinos dos homens, para todo o sempre.
Ao acordar, Nabucodonosor estava louco. Não suportara as visões e as premonições. Sua figura, já um tanto exótica, transformara-se de repente: os olhos vermelhos como duas brasas, os cabelos desgrenhados e a longa barba amassada. A voz transformou-se num uivo próprio de feras. Rasgou as roupas e completamente nu apresentou-se no salão do trono.
Daniel estava no palácio quando o rei enlouqueceu. Sabendo que a profecia revelada em sonhos estava se realizando, mandou que o cobrissem com peles e o conduzissem para um local confinado, onde fosse possível mantê-lo em segurança pelo longo período de provação, longe dos olhares dos membros da corte.
— Vamos conservar nosso rei escondido e ninguém deve divulgar este estado de Nabucodonosor. — Recomendou aos que atendiam o rei.
O nobre rei era então menos que um animal. Andava como uma fera, apoiado nos quatro membros, como se fosse um cão. Uivava e gemia. Espojava-se no lodo e no barro, nas tarde de calor. E arreganhava os dentes, ameaçando os que levavam para ele iguarias, as quais, aliás, desprezava, trocando-as por nacos de carne crua. Uma caverna proporcionava-lhe abrigo noturno e servia também de esconderijo.
Foi um longo período de apreensão e medo no palácio do rei. Alguns generais queriam destituí-lo imediatamente do poder, nomeando o filho. Outros achavam que a esposa deveria ocupar o trono, já que na prática era viúva do rei. Mas predominaram os sábios conselhos de Daniel, que exercera, durante muitos anos, o cargo de Governador das Províncias.
— O trono ficará vago pro sete anos. Findo este período, a razão voltará ao rei Nabucodonosor e ele governará de novo.
Foi difícil fazer prevalecer esta recomendação durante tanto tempo. Mas a firmeza de Daniel foi constante. Mas os anos se passaram e o reino da Babilônia permaneceu reservado para seu legítimo possuidor.
Após sete anos, tal qual havia sido previsto e determinado pelo emissário sagrado, a razão voltou ao rei. Aos poucos, mas num curto tempo, ele abandonou os hábitos animalescos, voltou a caminhar ereto e seu rosto. Aparadas as garras em que se haviam transformadas as unhas, cortada a juba leonina e suja, limpo e cuidado, mostrou que havia recuperado a saúde do corpo e a sanidade mental.
Ao reassumir o trono, fez uma proclamação que revelou sua conversão e submissão ao Deus Único. Perante a corte, à família e ao povo, reunidos na imensa praça defronte os jardins suspensos, ele declarou:
— Eis que passado o tempo de provação, voltou-me a razão e eu, Nabucodonosor, levantei meus olhos aos céus, louvei e bendisse o Altíssimo. Glorifiquei o Deus Único que vive eternamente, porque seu poder é um poder eterno e seu reino estende-se de geração em geração. Todos os habitantes da terra são diante Dele como um nada, porque ele faz tudo o que quer, tanto das potestades do céu como dos habitantes da terra.
Agora, o Deus Único me restituiu o uso da razão e assim, recobrei minha força e meu poder de antes e toda a gloria e esplendor de meu reino foram restabelecidos. Minha família e os magistrados de meu reino foram me buscar no covil onde perambulei por sete anos, e me receberam de novo.
Assim, fui restabelecido no meu reino e sou maior do que nunca.
Nunca houve no reino tamanho júbilo e tantas comemorações. Nabucodonosor ainda reinou por muitos anos o poderoso e extenso reino da Babilônia.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 11 de março de 2009
Conto # 538 da Série Milistórias – 8º. Da Série Daniel na Babilônia