529-TIO GORDO - Biografia de Francisco Curcio- 1a parte

TIO GORDO

1ª. Parte – Origens

Cronologia:

79 – Erupção do Vesúvio, que destruiu Herculano e Pompéia

1631 – Nova Erupção devastadora do Vesúvio.

1860 – Reino de Nápoles é incorporado ao novo Reino da Itália( 3º. parágrafo)

1865 – Nascimento de Francesco Cúrcio (14.maio.1865) (1º. Parágrafo)

1879 – Erupção do vulcão Vesúvio – Francesco está com 14 anos e assiste.

1880 – Aos 15 anos: relatos de sua juventude (7º. Parágrafo)

1883 – Francesco ingressa no Corpo de Bersalheiros, do Real Exército Italiano. 18 anos.

1890 – Francesco sai do Exército e volta para casa paterna.

Francesco Cúrcio nasceu em 14 de maio de 1865 em Sorrento, ao sul de Nápoles. Era na ocasião pequena cidade situada ao sul de Nápoles, na Peninsola Sorrentina, sobre falésias que dominam o golfo de Nápoles.

A família de Francisco era pequena. O pai Vicenzo, a mãe Maria, os irmãos Nicola e Beatriz, mais novos do que Francesco. Em Sorrento morava o tio Alberico, irmão de seu pai, e em Nápoles tinha a tia Helena, irmã de sua mãe.

As constantes guerras na península haviam dizimado população do antigo Reino de Nápoles, incorporado em 1860 ao Reino da Itália. Por Sorrento havia transitado os grupos de guerrilheiros de Garibaldi, que, na sua passagem, haviam recrutado centenas de homens, jovens na sua maioria, para suas fileiras.

Havia notícias de outras famílias de Cúrcios em espalhados por toda a região, ao sul e ao norte de Nápoles, mas o parentesco não era definido nem conhecido.

A família de Francesco morava numa casa simples, mantida com austeridade e limpeza pela mãe e a irmã Beatriz. Francesco e Nicola ajudavam o pai, que trabalhava como empregado da propriedade do Duque de Castagnato. Cuidavam do vinhedo, que deviam manter limpo durante todo o ano, e os galhos constantemente amarrados às estacas. Na época da colheita da uva e do feitio do vinho, ajuntavam-se a eles uma dezena de contratados para a ocasião.

Nesse período, e nos meses seguintes, Vicenzo e os filhos eram responsáveis também pela limpeza dos lagares onde estavam os grandes tonéis de vinho, e, quando o vinho estava pronto para ser engarrafado, ajudavam no engarrafamento. Isto fazia de Vicenzo um vinhateiro prático e cuja experiência passava aos filhos. Entretanto, o rendimento era pequeno e a família vivia com dificuldades.

Na juventude, Francesco andava por toda a região. Ia de sua cidade até Salerno, mais ao sul, onde moravam tio Alberico, tia Mafalda e os cinco filhos. Francesco ao lá sempre que podia, pois Romeo e Alfio, mais ou menos da sua idade, eram bons companheiros para as explorações que faziam pelas redondezas.

Nas tardes de verão, intensamente iluminadas pelo sol quase a pino, Francisco gostava de admirar as colinas a leste, que se tornavam intensamente vermelhas iluminadas pelo pôr-do-sol de verão. Do lado oposto, para o leste, estendia-se o mar Tirreno, de águas profundas e intensamente azuis. Ao norte o casario branco de Nápoles era bem visível, através da baía, nas tardes intensamente iluminadas pelo sol mediterrâneo.

Um pouco para o leste, o perfil do Monte Vesúvio, um vulcão de cuja cratera um penacho de fumaça permanecia como que imóvel, como aviso permanente do perigo que representava para toda a região circunvizinha.

Foi numa dessas tardes de contemplação que Francesco, então com quatorze anos, notou que o penacho tranqüilo se transformara numa coluna de fumaça negra.

— Pai, venha ver. O Vesúvio está diferente!

Toda a família correu para olhar a fumaça que saía da cratera, numa coluna vertical que se desmanchava numa formação de nuvens negras.

— Está vomitando fumaça! — Gritou o pai, Giuliano. — Vamos nos esconder.

Mas, esconder onde? Correram morro abaixo, até chegarem à praia, onde uma pequena multidão de habitantes se reunia. Alguns pescadores já aprestavam os barcos para fugirem, mar afora, do local que poderia estar ameaçado pela erupção do vulcão.

Entretanto, os habitantes de Salerno se acalmaram quando o viram que os ventos levavam a fumaça mais para o norte, e constataram que, por pior que fosse a erupção, as lavas jamais atingiriam a cidade, distante mais de dez léguas do ameaçador vulcão.

Era o ano de 1879 e aquela erupção foi uma das raras vezes em que o vulcão entrou atividade.

As ruínas calcinadas de Herculano e Pompéia, que Francesco também já havia percorrido em suas excursões solitárias, era o que restava das importantes cidades, soterradas pelas lavas do Vesúvio em sua mais impressionante erupção, ocorrida no ano 79 da nossa era. Eram monumentos exemplares do poder devastador do Vesúvio, que mais de cem anos atrás, em 1631, já voltara causar destruição no seu entorno, com uma erupção das mais violentas.

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Entre seus passeios preferidos estava a antiga casa de Torquato Tasso, tristes ruínas que se erguiam a poucos quilômetros do litoral, restos da magnífica residência do famoso escritor em Sorrento. Interessou-se pela vida do literato que era o orgulho dos sorrentinos. O tio Alberico, era dado a leituras e entusiasmou Francesco, quando este o perguntou sobre Torquato Tasso.

— Foi um famoso poeta e escritor, o mais ilustre filho de Sorrento. Nasceu em 1544 e morreu em 1595, em Roma. Tinha então 51 anos apenas. Sua vida foi cheia de altos e baixos, e vale por uma novela. Vou lhe emprestar um livro escrito por ele. Mas tenha cuidado, pois é um exemplar muito raro.

Francesco vibrou de emoção ao receber o volume grosso, com as letras douradas gravadas na capa já gasta pelo uso: Jerusalém Libertada. Deteve-se demoradamente na leitura da biografia do autor, que copiou em um caderno, para ter consigo constantemente:

“Torquado Tasso, ilustre poeta italiano, filho de Bernardo Tasso, nasceu em Sorrento em 1544 e morreu em Roma em 1595, com 51 anos. Viveu na corte do Duque de Ferrara Dom Affonso II, onde foi, a principio, tratado com grande deferência. O seu orgulho turbou-lhe, porém, o espírito. A história de seus amores com a irmã do duque, Leonor de Este, parece lendária. Tendo injuriado o duque Affonso, este o mandou encerrar com louco, durante sete anos, no Hospital de Santa Anna, em Ferrara. Levou, após sair do hospício, uma vida errante, melancólica e miserável.

O Papa (Aldo Brandini) Clemente VIII quis conceder honras para Tasso, com uma coroação triunfal no Capitólio, tal como tinha sido concedida a Petrarca, mas o poeta morreu antes de terminados os preparativos para a festa.

Escreveu diversos poemas Diálogos, obras primas da boa prosa italiana, Cartas muito curiosas. As suas duas principais obras são a encantadora comédia pastoril a Aminta; e a epopéia romanesca “Jerusalém Libertada”, obra grandiosa e nobre, de uma linguagem admiravelmente harmoniosa.”

Quando terminou a leitura, e devolveu o livro ao tio, este o convidou para uma vista ao Museu de Nápoles.

— Você terá uma surpresa. — disse o tio, com um sorriso enigmático.

Vestido com sua roupa de ir à missa. e calçando botinas que lhe apertavam os pés, lá foi Francesco com o tio. Percorreram as barulhentas ruas da grande cidade até chegarem à Praça do Mercado, onde o Museu de Nápoles se destacava como um palácio de cultura.

Entraram e percorreram diversas salas, até chegarem à ala de pintores italianos. Ao chegarem defronte um quadro de fortes cores, o tio parou e disse:

— Ecco! Aqui está o quero que você veja.

Francesco olhou com admiração para o quadro. Tarso em Sorrento, leu na pequena placa de metal afixada na parede.

E o tio foi explicando:

— Este quadro representa o poeta Tarso disfarçado em pastor, ao chegar à casa de sua irmã Cornélia, depois de ter fugido do hospital de doidos de Ferrara, onde ele esteve internado, como você já sabe, por longo tempo.

— Aqui na plaquinha diz que foi pintado por Curson. Em 1859. Há apenas 20 anos.

— Sim. É uma obra recente, mas de valor maior do que muitos quadros antigos.

Tio e sobrinho demoraram-se na admiração da obra de arte. Depois, retiraram-se em silêncio, ambos impressionados pela magnífica pintura e pelo que ela representava: a volta de um homem inteligente após uma reclusão torturante e tormentosa numa casa de loucos por sete anos.

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Ao completar 18 anos, em 1883, Francesco ingressou no Corpo de Bersaglieri, da Força Militar do Reino da Itália.

Os Bersalheiros formavam uma unidade importante do exército, formado logo após a unificação dos diversos reinos no Reino da Itália. Garibaldi era o herói das lutas de unificação e seu exemplo arrastara muitos jovens para o serviço militar, instituído com a unificação, e que durava sete anos.

Francesco não tinha espírito guerreiro nem gostava de disciplina e horários. Mas o ingresso no Corpo de Bersaglieri era, na ocasião, uma maneira de ter uma ocupação, adquirir certa independência da família, além do soldo garantido, que iria ajudar na manutenção dos pais e irmãos.

Na prestação do serviço militar obrigatório como Bersagliere Francesco permaneceu até os 25 anos (entre 1883 e 1890). O país estava pacificado e as funções dos soldados era a de manutenção da ordem nas cidades. Francesco foi enviado para Roma, onde trabalhou na Intendência, ou seja, no departamento de fornecimentos de materiais, alimentos, roupas e calçados. Em certa ocasião, serviu na cozinha do batalhão, e adquiriu grande experiência na padaria, além de aprender a fazer cerveja e bebidas refrescantes.

Após cumprir os sete anos regulamentares, Francesco deu baixa, isto é, saiu do Exército Real. Durante este período, enviara todo o soldo para o pai, a fim de ajudar na manutenção da casa. Todavia, Vicenzo, em vez de gastá-lo com a família, foi guardando, lira por lira, sem nada falar ao filho. Quando este chegou, lhe disse:

— Francesco, o soldo que tu mandaste durante nos anos em que estiveste servindo como bersagliere, guardei para ti.

— Mas, pai, eu mandei para ajudar vocês todos, na alimentação, para comprar roupas ou para a manutenção da casa...

— Sim, sei. Mas vivemos modestamente e continuamos assim. Agora, você tem um bom capital para empregar num negócio, numa atividade qualquer.

Francesco havia ouvido, no quartel, muitas notícias sobre gente que estava viajando para a América, uma terra do outro lado do oceano. Diziam que milhares de italianos estavam deixando a Itália, com ajuda das autoridades, para países da América: Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina. Já tinha uma idéia precisa na cabeça, ao voltar para casa.

— Vou para a América. — Anunciou nos primeiros dias de sua nova vida com a família.

— Mas filho! Não precisa ir. Com este dinheiro... — O pai relutou ao ouvir a notícia.

Dona Maria, a mãe, nada falou, mas começou a chorar baixinho.

— Vou trabalhar lá. Com este dinheiro, monto um negócio e logo estarei rico. Então, venho buscar vocês.

Apesar das objeções iniciais, a idéia foi, enfim, aceita.

— Acho que vou precisar de ajuda no meu negócio — Francesco não parava de sonhar. — Vou levar Nicola e Beatriz comigo.

— Mas, filho! Que coisa é esta, agora? Vamos ficar sozinhos aqui?

— Vou fazer a América! Logo fico rico. Venho buscar vocês.

Determinado, Francesco tomou todas as providências para deixar a terra natal, levando consigo o irmão e a irmã. Um pensamento só permanecia em sua cabeça e davam-lhe ânimo para enfrentar todas as dificuldades:

— Vou fazer a América!

Antônio Gobbo

Belo Horizonte, 23 de janeiro de 2009-

Conto # 529 da série Milistórias –

1º. Da Série “Tio Gordo”

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/11/2014
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