520-DANIEL E O JULGAMENTO DE SUSANA-Conto Bíblico

História da Série “Daniel na Babilônia”.

7A. parte da série de 10 =

Contos da série: 485 - Daniel na Babilônia

489 – A Estátua de Ouro de Nabucodonosor

487 – O sonho de Nabucodonosor

492 – O Festim de Baltazar

Ao ver passar a multidão, Susana à frente, a caminho do lugar onde seria apedrejada, Daniel gritou:

— Sou inocente do sangue desta mulher!

A turba parou de repente. Os juizes que acompanhavam a procissão estacaram e se perguntaram:

— Quem é este jovem que ousa contestar nossa sentença?

— É Daniel, explicaram os que conheciam o rapaz. — É ainda muito moço, mas interpreta sonhos como ninguém. É sagaz e não se deixa enganar.

A manhã ia pela metade. O sol a pino escaldava a cabeça de Susana. As pedras das ruas da Babilônia queimavam os pés dos acompanhantes, descalços na sua maioria. Os quatro juizes procuraram a sombra das tamareiras e indagaram Daniel com veemência:

— Quem és tu que ousas contestar nossa sentença?

— Sou Daniel, da tribo de Judá. E afirmo-lhes que o julgamento desta mulher carece de fundamento. A sentença é injusta.

Os Juizes impressionaram-se com a desenvoltura de Daniel. Consultaram-se entre si. O mais velho deles falou:

— O que queres dizer com essas palavras? Poderia o jovem nos informar onde erramos?

Daniel, colocando-se no meio do povo, dirigiu-se a todos:

— Como é possível a vós, Juizes do Templo, ser tão insensatos a ponto de condenar à morte uma mulher, uma filha de Israel, sem informações verdadeiras e sem ouvir aquela que condenaram? É melhor que façais um novo julgamento. Os testemunhos estão eivados de falsidade. A condenada não foi acreditada na sua defesa.

Diante dos murmúrios que se levantava do povo, os Juizes novamente voltaram-se para o jovem contestador.

— Que sabes você desta história? Não será, por acaso, o jovem com o qual Susana se encontrou?

— Raça de víboras! Vossas línguas só falam vitupérios. Dê-me um lugar em vosso tribunal e posso provar que esta mulher é inocente e foi vítima de uma cilada.

O juiz mais idoso que falava em nome de todos ali presentes, ordenou a Daniel:

— Vem e assenta-te junto de nós, no tribunal. Faremos um novo julgamento e que a verdade apareça.

Daniel, os quatro juizes (dois dos quais eram os que haviam acusado a ré de infidelidade), Susana e seu marido, Joaquim seguiram para o Templo. A turba, frustrada, se dispersou.

Daniel sabia do que falava, quando interrompera a multidão. Havia assistido a todas as sessões e audiências do julgamento de Susana, e mais que isso, se inteirara de toda a história. Conhecia Joaquim, o rico mercador e respeitável conselheiro da comunidade de judeus que habitavam a Babilônia.

Eram os dias descritos como o “tempo de cativeiro”, quando os judeus tinham sido levados de Jerusalém e de toda a terra de Judá. Vivam sob a vigilância dos soldados de Nabucodonosor, na capital do grandioso império da Babilônia.

Joaquim e Susana, sua mulher, de formosura sem par, viviam numa grande propriedade, cercada por jardins sempre floridos e pomares de antigas árvores. A mulher, virtuosa e recatada, tinha por costume passear todas as tardes pelo jardim ou no pomar, cercados em toda a extensão, impedindo o olhar dos babilônicos ou de estrangeiros.

Por aquela época de tempos tão difíceis ao povo de Judá, dois juizes foram escolhidos para completarem o número necessário ao tribunal. Zacal e Josias eram já bem idosos e freqüentavam a casa de Joaquim, com o qual mantinha boas relações e se aconselhavam. Era natural, pois, que em suas visitas, por alguns momentos, observassem a presença de Susana, a esposa do amigo. E, vendo-a ainda que por momentos, envolta em véus e vestes que lhe escondiam a formosura, os velhos ficaram apaixonados por ela.

Escolhiam as horas da tarde para visitar Joaquim, quando notavam, disfarçadamente, a esposa sair para o jardim ou para o pomar, onde passava as tardes. Zacal e Josias não comentaram entre si o desejo libidinoso de que cada um era possuído. Cada qual guardava para si o mistério da luxuria que lhes enchia os corações.

Certa tarde, após finalizarem os assuntos da visita a Joaquim, despediram-se e se dirigiram para lados opostos, Entretanto, voltaram, por caminhos diferentes, à proximidade do jardim onde, sabiam, Susana estaria. Encontraram-se rente ao muro indevassável e, envergonhados, constataram que estavam ambos apaixonados pela linda esposa de Joaquim. Mas a vergonha não os impediu de se tornarem aliados na observação furtiva aos passeios de Susana pelos jardins.

Foi durante uma dessas observações furtivas que os dois velhos libidinosos viram a formosa Susana entrar no jardim acompanhada por duas escravas bem jovens que a ajudavam em tudo. Ouviram-na quando disse à donzelas:

— Tragam-me óleos e perfumes, e tranquem as portas do jardim. Quero aproveitar o calor desta tarde para me banhar.

As jovens obedeceram às ordens. Fecharam os portões do jardim e saíram por uma pequena porta lateral, sem saber que lá dentro estavam também os dois dissolutos juizes.

Tão logo as donzelas saíram e Susana se preparava para o banho solitário, os dois homens saíram do esconderijo, correram para ela e a ameaçaram:

— Agora a senhora está sozinha neste jardim, cujos portões estão fechados. Somos loucos pela senhora e queremos possuí-la. Entregue-se a nós ou a difamaremos, dizendo que você se encontra com um jovem aqui, por isso mandou as moças embora.

Susana, assustada, escondeu-se atrás de uma touceira de lentisco.

— Homens cruéis, porque me molestam desta forma. Mas, por acaso, não são os senhores os juizes Zacal e Josias, que freqüentam minha casa todos os dias, em visitas ao meu marido?

— Sim, somos. E se não se entregar a nós, iremos ao tribunal e a acusaremos de fornicação.

Ela viu logo a situação terrível em que se achava.

— Se me entregar a vocês serei infiel ao meu marido e sujeita à pena da lei. Se não me entregar, vocês me condenarão. De qualquer forma, serei apedrejada. Mas prefiro permanecer fiel ao meu marido. Vocês jamais me possuirão.

Saiu correndo, rumo à casa, para avisar o marido. Mas os dois juizes escaparam e quando Joaquim chegou, não encontrou ninguém.

No dia seguinte, Zacal e Josias chegaram à casa de Joaquim. Os dois velhos juizes exigiam a presença de Susana no Templo, para ouvir a acusação e ser julgada. E quando ela apareceu à porta da casa, veio acompanhada não só do marido, como de toda a família, escravos, servos e empregados. Era recatada e de acordo com o costume, estava com o rosto coberto, só mostrando, por entre os véus, seus lindos olhos amendoados.

— Deixe cair os véus da cabeça! — Ordenou Zacal, querendo mais uma vez se deliciar com a maravilhosa visão da formosura de Susana.

Joaquim e os parentes de Susana reclamaram enquanto que os empregados choravam pela patroa. O séqüito caminhou até o templo de Javé, erigido por complacência de Nabucodonosor, numa esquina da grande cidade.

O julgamento da casta senhora foi sucinto e destituído de todas as formalidades exigidas pela Lei. Os dois juizes acusadores não permitiram sequer a defesa da mulher nem deixou que seu marido falasse por ela. Os que assistiam ao julgamento aguardavam com ansiedade a condenação, pois a turba dos filhos de Israel era sedenta de justiça e queria fazê-la com as próprias mãos.

Condenada, em rito sumário, ao apedrejamento, estava sendo conduzida, à frente da multidão, para o local do apedrejamento, quando foram interrompidos pelas palavras indignadas do jovem Daniel.

Daniel gozava das graças do rei Nabucodonosor, devido às interpretações de seus sonhos. Andava desenvolto tanto entre os irmãos de fé como no meio das autoridades do palácio real. Era conhecido dos juizes e por isso sua voz fora acatada.

De volta ao templo, Susana foi submetida a novo julgamento.

Daniel, não satisfeito com os depoimentos dos dois acusadores, mandou que Josias fosse conduzido a uma câmara do Templo, onde permaneceu isolado. E interrogou Zacal, não antes de fazer-lhe uma advertência:

— Homem inveterado do mal, as injustiças que cometeu nos julgamentos de pobres e viúvas, que não tinham com que pagar suas defesas, caiam agora sobre sua cabeça. Diga-me rápido, sob qual árvore estava Susana e o pretenso moço que você viu, no jardim do palácio de Joaquim.

Sem pestanejar, Zacal respondeu:

— Estavam debaixo de um pé de lentisco. *

Mandou Daniel que Zacal fosse conduzido a outra câmara do Templo, onde permaneceu isolado.

— Tragam Josias. — Determinou

Quando Josias chegou ante os demais juizes, e Daniel, este o interrogou:

Diga-me, sem pestanejar, sob qual árvore estava Susana, quando vocês a viram cometendo a infidelidade da qual a acusam?

Josias respondeu:

— Estava ela e o jovem debaixo de um enorme cipreste.

— Tragam de novo Zacal à nossa presença. — Mandou Daniel.

Na presença de todos os juizes e da multidão que assistia ao julgamento, Daniel falou:

— Vejam como mentem esses homens, vilipendiadores da honra da casta Susana, esposa de Joaquim. Um diz que ela estava sob um pé de lentisco, outro afirmar que era sob um cipreste. Mentirosos e difamadores. Ouçam agora o depoimento da esposa de Joaquim, e acreditem que ela falará a verdade.

Susana foi ouvida, então, pela primeira vez. E então contou como fora ameaçada pelos dois juizes. Joaquim também falou, dando seu testemunho sobre a procura que fizera no jardim, não tendo encontrado o jovem com o qual Susana fora acusada de ter se encontrado.

— Vede, senhores juizes, como estes dois homem, elevados à mesma posição que vós, não são da mesma cepa de homens retos e justos. Eles, sim, é que merecem o castigo por tão infame procedimento.

O julgamento foi concluído com a isenção de qualquer culpa antes atribuída a Suzana. Zacal e Josias foram destituídos, despidos dos trajes de juizes e encaminhados à prisão do Templo, onde permaneceram encarcerados até o final de seus dias.

Daniel viu crescer ainda mais seu prestígio entre seu povo e foi homenageado pelo rei Nabucodonosor, que o nomeou seu homem de confiança e convidando-o a morar no Palácio Real.

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*Lentisco — árvore de pequeno porte, ornamental, também conhecida como almecegueira ou aroeira-do-campo.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 24 de novembro de 2008

Conto # 520 da Série Milistórias –

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 14/11/2014
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