Um chamado
Da minha infância na roça, nunca me esqueci das tardes ensolaradas de domingo. Sentado no fundo da casa, um vazio rasgava minha alma, talvez um sintoma arquetípico das sombras coletivas que me assombravam.
Deixava-me inquieto de tempos em tempos e sempre na boca da noite, quando o sol já desfalecido amofinava o dia, um assobio entre o grave e o agudo que rasgava o silêncio e martelava meu ouvido.
- Pai que assobio foi este? Não ouvi nada te aquieta meu filho!
Da minha adolescência cercado pelo alambrado de sarrafos, preso entre um rancho que beira uma alcova, prendia-me entre uma fugida e outra para descobrir novos campos. Na boca da noite, quando o aroma da minestra e o perfume da fornada de pão de massa sovada, enchia-me de acalento, um assobio entre o grave e o agudo expandia meus pensamentos, corria para a janela para ver quem havia me chamado e nada.
- Alguém sabe me dizer que assobio foi este? Ninguém tinha ouvido.
Beirava mais um ciclo, a juventude batia meu interior, vazio mastiga minha alma e o misterioso assobio também.
A era da juventude rompe os tapumes e a vida segue, sempre entre um suspiro e um dolorido vazio. A alma marcada pelos desencantos e desencontros entra rumo ao futuro.
Agora adulto. A vida se restringe a quatro paredes de um condomínio. É a cidade. Observo na sombra do prédio o sol se pôr entre o concreto e o abstrato. Num lance arrebatador o assobio corta meus pensamentos. Assustei-me! Que é isso? Indaguei-me, até na cidade? Entre inquietações e indagações a vida segue. Agora na cidade eu ouvia novamente o assobio que me deixava apreensivo e inquieto.
Quando já beirava a idade de Cristo, aventurei-me a fazer terapia, queria eu entender a dor; o sofrimento. A terapeuta pediu-me para anotar os sonhos. Fui mais além, comecei a anotar minhas dores, sem dar-me conta que estava escrevendo poesia. “Só soube muito depois que o que eu escrevia se chamava poesia. Pablo Neruda”.
Os anos seguem e a poesia também. Já não havia mais o vazio na alma, dissipou-se como por um encanto, foi preenchido pelos versos...
Recebo a indicação para a leitura do livro “Explorando o Druidismo Celta” e para meu espanto encontro esta citação no livro: “Famílias de Deuses e Deusas: Bridget (também) Brigit. Ela é a Deusa do Sol e do fogo, fogo do fogo. Associada com a época de nascimento dos cordeiros e com a vinda da primavera, ela é a Deusa do coração e do lar, e representa o fogo sagrado. Ela é a Deusa da arte de ferreiro, da cura, da medicina, da poesia e da inspiração. Seus símbolos são a haste e a roca de fiar, a chama sagrada, o pote de fogo e seus sapatos de latão. Ela foi a primeira a usar o assobio para chamar alguém à noite”.
Chamado atendido.