João, filho do Brasil
“Mataram João!”
“Mataram João, Cláudia! Foi um tiro. Um único e certeiro tiro que tirou a vida do rapaz. Era estudante e estava querendo crescer na vida. Pois é, menina. Tinha um futuro e tanto pela frente.”
“Assassinaram João. E foi na frente da mãe. Meu Deus, que mundo é esse?”
“João foi morto. Você viu o corpo dele? Está lá, Mortinho da Silva, com um tiro na cabeça. Pegaram para arrebentar! Olha, não quero falar nada, mas parece que ele tinha envolvimento com droga. Estudava? É mesmo? Não sabia. Achei que era vagabundo como o pai.”
“Meu Deus, por quê? Por que não foi comigo? Eu estava aqui, ao lado dele, Pai, e você levou o meu filho. O meu menino!”
“Olha, seu policial, eu estava do outro lado da rua e vi que João só quis proteger a mãe do assalto. Ela estava no portão com o filho, e os dois caras da moto avançaram para ela. Aí ele entrou na frente e já era. João? Conheço desde pequeno. Era, era. Estudante, bom filho e excelente rapaz!”
Naquela manhã, João acordou uma hora mais cedo. Era seu último dia de aula. O rapaz estava ansioso por ser o dia de apresentar o projeto final que lhe renderia o diploma. Desde a infância, dizia à mãe que queria fazer uma faculdade e conseguir um bom emprego para ajudá-la no sustento dos irmãos. “Mãe, você vai ver. Irei retribuir tudo o que você fez por mim até hoje. Pode ter certeza.”
Nervoso, ele vestiu uma calça jeans, comprada na véspera para trazer sorte durante a apresentação, e uma blusa preta social. Escolhera o melhor traje para o dia que representaria o começo de uma nova etapa em sua vida. Enquanto arrumava os cabelos, o rapaz lembrou-se da época em que corria descalço pelas ruas próximas, sempre com “a bola nos pés”, como costumava falar a avó. Só ia para casa quando o sino da igrejinha soava as dez badaladas em conformidade com o relógio. Recolhia a mochila e os tênis e corria para dentro do lar, faminto e desorientado.
A mãe reclamava com ele. “Se continuar assim, moleque, não vai servir para nada quando crescer. E eu não quero vagabundo aqui dentro”, gritava enquanto retirava as roupas do varal e, ao mesmo tempo, esquentava o jantar para o filho. “Pronto, mãe. A partir de hoje, eu vou ser alguém na vida e vou te dar tudo em dobro”, pensou João, enquanto pegava a sua pasta. Faltava uma hora para a apresentação, mas ele não poderia atrasar. Não hoje. Não mais.
Ao sair do quarto, deparou-se com a mãe. Ela estava com os olhos marejados, mas João fingiu que não reparou. Deu um abraço na mulher, que sorriu e o abençoou para mais um dia. Convidou a mãe para acompanhá-lo no café da manhã.
“Filho, não fique nervoso. Hoje, tudo dará certo. Você sabe do que é capaz e tem noção de tudo o que já conquistou. Do resto, você dá conta”, incentivou a mãe, enquanto enchia a caneca do filho com café quente.
“Obrigado, mãe. Eu sei que tudo acontecerá da melhor maneira. Estou preparado para encarar qualquer desafio. Você me ensinou isso.”
Ao ouvir as palavras do filho, Sônia chorou. Todos os medos, inseguranças, incertezas eram, agora, leveza por ver o seu menino se transformar em homem. “Eu tenho muito orgulho de você, meu anjo. Você é a minha alegria.”
Abraçados, os dois saíram de casa.
“Tenha um bom dia, querido. Isso é só o começo. Você realizará todos os seus sonhos.”
“Com certeza, mãe.”
O beijo foi interrompido por uma freada brusca de moto.
“Perdeu, perdeu”, gritou o homem, que correu armado em direção aos dois.
João pôs-se entre a mãe e o ladrão. O estampido assustou Sônia. A vizinhança foi atraída pelo barulho. Os homens subiram na moto e aceleraram. O tempo não passava. A vida estava confusa. O vozerio parecia distante. Sônia sentou-se no chão, ao lado do filho. João, estirado, era embalado pelas lágrimas da mãe. Os sonhos escoavam sob o saco preto.