Despedida

Hoje, me despeço de vocês para sempre. Há muito que eu sabia sobre este momento, mas esta é uma maldição que herdei por erro de um antepassado longiquo. Todos nós de uma certa maneira sabemos quando chegará o nosso momento. A vantagem é que aprendemos a não ter medo e a ter na morte a nossa melhor companheira de toda uma vida. Tornamo-nos imortais pelo simples fato de não temermos a morte como ela se apresenta.

A desvantagem é de que essa herança não nos dá o direito à vida depois. Somos seres desprovidos de esperança espiritual, mas vivemos como se alma eterna possuíssemos.

Passo pela vida sem senti-la em sua plenitude realmente. Tive parcos sentimentos de amor, piedade, aceitação. Por muito tempo, pensei ser especial pois que antecipava-me a muitos fatos sem jamais, porém, deles valer-me. Poderia ter sido um rei, mantive-me como um cavaleiro. Viajei por muitos corpos e mentes. Renasci algumas vezes, mas sempre acorrentado à matéria.

Agora, estou cansado. Felizmente, não precisarei mais ocupar outros corpos, mentes e almas. Chego ao meu definitivo fim. Estou feliz, acreditem, com a perspectiva do descanso eterno na escuridão. Não há sofrimento, não há percepção, não há solidão, não há luz. O nada passará a preencher os meus vazios. O som do metal cortando carnes, esmagando ossos, sucumbindo vidas já está tão associado à minha vida que meus ouvidos já não o percebe mais.

Todo homem que conheci temia a morte e desejava viver eternamente, sem contudo ser bem sucedido. Aprendi que quem deseja viver é aquele que mais temor possui. Por isso, para sobreviver nas várias batalhas travadas, desprezava a minha vida tanto quanto a de meu oponente, mas não o odiava, ao contrário, aprendi a amá-lo e respeitá-lo. Seu sangue era o meu vinho, sua derrota sob a minha espada era a minha própria derrota. A cada morte, um pouco de mim também morria. Ao perceber isso, mais batalhas desejava, mais mortes eu perpetrava. A cada agonia fatal de meus inimigos, mais o meu desejo se consumava.

Agora, aqui estou eu deitado por terra, escutando gritos e sentindo muita dor ao redor. De mim, nada há mais. Estou derrotado, ferido mortalmente em meu orgulho, em minha coragem, em minha loucura. Sentirei falta, apenas do chegar de um novo dia, de minhas orações, de meu cavalo valente, para o qual desejo o encontro da glória da morte rápida e possa, então, finalmente, correr em terras livres do violento e insano jugo humano a que o submeti por tanto tempo.

Parto desta terra de sangue, de suor, de desesperança. Fortaleço-me ante a perspectiva da escuridão e da cessação de toda vida que tive durante séculos. Termina aqui a vida que me deveria ser, por maldição, eterna.