Entre o Céu e a Terra

O pé de pitangas tinha uma aparência esquisita. A sua copa arredondada dava-lhe o aspecto de um enorme cogumelo verde-escuro. Em época de chuva circundavam-no as tanajuras durante o dia e, à noite, micro pontos luminosos rodeavam-no: era a doce valsa dos vaga-lumes.

Ao lado fica um casebre de taipa - porta e janela na fachada - feito do barro que rolava nos barrancos da estradinha e varas entrelaçadas armam-lhe toda a estrutura.

Ali mora o João Cabelo-de-Fogo. Homem calado, jeito simples de encarar a vida, mestre na arte de capinar. Qualquer terreno baldio, onde o capim toma de conta, ele deixa o chão arenoso “penteado”, como bem dizia.

Mora com a mãe, de muitos verões vividos, mas a velhice não a incomoda. É ativa, faz de tudo na casa de apenas dois vãos; mas trabalha na lavoura, põe alimentos para os animais – umas poucas galinhas e um ganso – e à noitinha conta estrelas; só dorme quando o filho chega.

Ocorreu o seguinte: numa de suas limpezas de terreno, João achou uma pedra bastante reluzente e a colocou no bolso, pensando tratar-se de apenas uma dessas curiosidades de brinquedo, e prometera a si mesmo presentear a sua mãe com aquele mimo.

Na hora do acerto de contas com o patrão, sem querer deixou que o mesmo visse a pedra rutilando em seu bolso e foi o suficiente para exigir que o delegado o levasse para a cadeia: há muito sua mulher procurava em todos os cantos da casa por aquela preciosidade.

Vieram dar notícias do filho à anciã e a mesma logo dirigiu-se para a delegacia.

Ao chegar, viu o filho mergulhado em profundo desânimo. Disse-lhe alguma coisa ao pé do ouvido, fê-lo acreditar em sua pessoa e saiu, não sem antes pedir que o delegado e o patrão reclamante a acompanhassem até sua casa.

Era uma noite fria, o orvalho da chuva gotejava nas folhas da pitangueira. A velha mostrou o cenário para os dois homens. Entre o céu e a terra.

João Cabelo-de-Fogo fora solto. A pedra que guardara não ia fazer sentido para a velha.

A Natureza já lhe proporcionava brilho suficiente.