492-OS ÚLTIMOS TEMPOS DA BABILÔNIA- História de Daniel

A decadência dos costumes, a frouxidão da moral e a falta de autoridade do rei prenunciavam o final de um império. Nabucodonosor, imperador da Babilônia, conquistador de todo o mundo conhecido no quinto século antes de Cristo, com a saúde debilitada e incapaz de enfrentar os novos desafios apresentados pelos inimigos, delegou ao filho Baltasar o comando de suas tropas.

As ameaças vinham de todos os quadrantes. Principalmente da Pérsia, onde Ciro organizara um poderoso exercito. Generais de visão estratégica fizeram com que o curso do rio Eufrates fosse desviado e assim, as tropas persas, sem a perda de um só guerreiro, atravessam o leito seco do rio e chegaram às proximidades da cidade. O cerco foi estabelecido ao redor da magnífica cidade, uma verdadeira maravilha do mundo. As muralhas bem feitas de pedras e tijolos, resistiram por muito tempo ao cerco dos persas.

Confiado na resistência das muralhas, Baltasar se descuidava da defesa. Passava os dias em torneios e lutas simuladas com os generais e as noites em banquetes extravagantes, finalizados com orgias e bacanais.

Daniel, um dos últimos amigos do Nabucodonosor, fiel às responsabilidades do cargo que o rei o cumulara, avisava o imperador dos perigos apresentados pelo cerco de Ciro.

— Não se pode resistir ao cerco para sempre. Logo faltará trigo, pois as reservas estão caindo muito. Com fome, o próprio povo e, talvez, até os guerreiros voltarão contra o Rei.

O Imperador não respondia. Permanecia num silêncio obstinado, como que incapaz de reagir às forças do destino.

A vida dissoluta de Baltasar contaminava seus amigos, os generais e todos os que lhe estavam próximos. Para seus banquetes nada faltava. O vinho era servido à larga, em taças de ouro. Os pratos se sucediam, enquanto as dançarinas se expunham, detrás de diáfanos véus, em danças excitantes e sensuais. Os eunucos tinham grande trabalho no serviço das mesas e em retirar os participantes que, embriagados ou totalmente entupidos de comida, desmaiavam ou dormiam em pleno festim.

O deboche imperava nas conversas. Baltasar desdenhava as legiões de Dario e os generais o aplaudiam; fazia graças e todos riam. Chamava as mais belas dançarinas para deitarem-se ao seu lado, à borda da mesa, e ali mesmo, despudoradamente, mantinha relações de sexo.

Sentia um grande prazer em rir dos esforços das tropas que cercavam a Babilônia, pois tinha certeza de que nunca seriam capazes de galgar suas paredes lisas nem ultrapassar os pesados portões com suas armas.

Durante os banquetes, o ímpio filho de Nabucodonosor se divertia também usando peças sagradas dos templos dos judeus, para conspurca-las. Vasos de ouro eram usados como urinóis. Os candelabros consagrados eram colocados às mesas para iluminar as bacanais.

Os judeus da Babilônia, que constituam importante parte da cidade, reclamavam com Daniel, mas as denúncias, levadas ao Imperador, não tinham a menor reação. E a dissolução na corte aumentava cada vez mais.

Certa noite, por ocasião da festa das Sáceas, num festim especial, mais devasso e selvagem que os demais, Baltasar mandou que o vinho fosse servido em vasos sagrados que o pai havia retirado do Templo de Jerusalém e que estavam no palácio real.

Antes de a profanação dos vasos fosse consumada, os participantes foram surpreendidos por clarão que os cegou seguido de um barulho ensurdecedor, como se um raio tivesse caído no meio deles. Seguiram-se momentos de total escuridão. Um brilho apareceu numa das paredes do salão e puderam ver uma mão que traçava sinais sobre o ladrilho. Aterrorizados, os participantes não reconheceram os sinais misteriosos, escritos em fogo que saia dos dedos da mão misteriosa. Baltasar e os participantes do festim não souberam interpretar os sinais, que permaneciam queimando sobre a parede.

— Mandem chamar os magos do reino. — Ordenou. — Quem ler esta escrita e me der a sua interpretação, será vestido de púrpura e receberá um colar de ouro, e será elevado à dignidade de terceiro homem mais poderoso do reino, apenas inferior ao meu pai, Nabucodonosor e a mim, Baltasar, que governo a Babilônia em seu nome. Eles vão decifrar esta mensagem.

Os magos acudiram prontamente, mas nenhum deles teve capacidade para decifrar tão misteriosos sinais.

Baltasar e seus generais, bem como os magos e toda a corte ficaram aterrorizados ante a impossibilidade de saber o significado da mensagem. Ante a perplexidade de todos, a rainha — espôsa de Nabucodonosor e mãe de Baltasar — disse:

— Só há, em toda a Babilônia, um homem de espírito elevado, mais sábio de que todos os magos reunidos, e que poderá decifrar esta escrita misteriosa. É Daniel, aquele que os judeus chamam de profeta e que Nabucodonosor constituiu governador das províncias. Daniel compareceu ao repugnante ambiente do festim pagão e, à vista dos símbolos chamejantes, disse:

— Foi Javé quem mandou esta mão, e eis o que está escrito: MANÉ, TÉCEL E FARÊS.

— Mas que significa isto? — Indagou Nabucodonosor, que havia também chegado ao local.

— Diz respeito ao vosso império, majestade. MANÉ significa que Javé contou os dias de vosso reinado, e marcou o seu fim. TÉCEL quer dizer: Vos, ó Rei, fostes colocado na balança, e achado leve demais. E FARÊS diz:Vosso reino será dividido e separado, como as águas dividem terras e seu espólio será dividido entre medos, caldeus e persas.

Levantando-se, Baltasar gritou com palavras engroladas:

— Não escute esse filho de Judá, que não adora nossos deuses nem se veste como nós, nem se mistura com nossa gente.

Impassível, Nabucodonosor ordena que Daniel seja vestido com trajes de púrpura e colocou um colar de ouro, elevando-o á dignidade de terceiro mandatário do Império, sujeito às ordens de apenas dois outros: do próprio rei e do filho.

Baltasar parece não entender o que está se passando e continua gritando:

— Ele vos engana, meu rei e meu pai.

Embriagado, dá alguns passos trôpegos, na direção de Nabucodonosor, da sua mãe, a Rainha, e de Daniel. Cai, e na queda, bate com a cabeça na quina da mesa do banquete e tomba morto.

Durante a madrugada, as tropas do rei Ciro conseguiram penetrar por uma das portas da cidade e tomaram Babel. Naquela noite terminou o império da Babilônia.

ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 5 de maio de 2008

Conto # 492 da série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 04/11/2014
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