Lory, Uma Breve História de Amor

Lory era uma menina sonhadora, sonhava em conhecer um rapaz que seria seu príncipe azul, cada vez que tinha um casamento no pequeno vilarejo de Reselandia, onde residia, sentava-se na quarta cadeira, da quarta fileira de cadeiras, ao lado direito do tapete vermelho que a noiva passaria, pois achava que quatro era seu número da sorte.

Reselandia era uma pequena vila situada no estado do Maine, nos EUA, e em pleno século XXI ainda mantinham as tradições dos primeiros colonizadores locais, cultuando suas crenças e mitos, ali não viviam mais do que 3.000 habitantes, e todos, incluindo sua família, odiavam Lory, odiavam com tanta gana, que nos entardecer de domingo se reuniam na igreja e planejavam como se livrar dela.

Lory nascera num período conhecido como Dias Negros, que segundo a crença local a criança nascida neste período deveria ser sacrificada em nome do Deus Moloch, pois caso contrário, carregaria a maldição do Dom da Morte, todos que nela tocassem morreriam.

Mas a mãe de Lory, ao dar a luz a tão sonhada filha, renegou a crença ao Deus Moloch, não a sacrificaria por nada, morreu com o fim dos dias Negros, implorando que o marido mantivesse a filha viva.

O marido ambicioso, pensando no dinheiro que herdara da mulher, ficou pasmo quando leu seu testamento, toda a fortuna fora deixada para a filha, e se ela morresse antes de completar 24 anos, e não fosse casada, os bens por ela herdado seria doado ao governo do Maine, o homem sem alternativa criou a filha, evitando o contato dela com as outras pessoas.

Seu pai casara anos depois, com uma mulher mais jovem, ambiciosa como tal, ele passava pouco tempo na vila, vivia fazendo negócios nas cidades vizinhas, a madrasta se aproveitava da ausência do marido e desprezava Lory, obrigando ela a fazer os serviços domésticos, ‘‘Vamos mãos de Demônios, use esse dom para matar a sujeira desta casa’’, dizia a madrasta à Lory.

Lory cresceu triste e deprimida, se tornou a mais bela do vilarejo, invejada pelas mulheres e cobiçada pelos homens, mas carregava a culpa das mortes que ocorriam ali, por onde ela passavam, as pessoas cochichavam, chamavam-na de ‘‘Anjo da Morte, Ceifadora de Almas, Dona Morte’’, e ninguém tinha coragem suficiente de se aproximar dela, e ela suspirava com o sonho de que um dia chegaria um belo príncipe para levá-la dali.

Certa vez, chegou ao vilarejo, uma equipe de médicos mandados pelo governo, para verificar a saúde dos habitantes de Reselandia, Lory se encantou com um belo médico, foi paixão a primeira vista, o médico chamado Hendrick, se interessou por ela, casaram-se dois meses depois, foi a maior festa da vila, pois todos os habitantes queriam se certificar de que Lory estava indo embora para sempre.

Sentada no banco de passageiro do carro do amado, Lory admirava as belezas dos locais fora da vila, surpreendida com os prédios, automóveis modernos, o metrô, tudo era novo para ela. No apartamento que viveria com ele parecia não acreditar no que via, TV, Computadores, Telefone, o que era proibido na antiga moradia, agora ela possuía.

Foram semanas felizes ao lado de Hendrick, ele a ajudou a fazer a carteira de motorista e a acompanhou no banco pra ela administra o dinheiro que herdara da mãe, porém ele nunca tocava nela, ela se perguntava se ele sabia e acreditava na maldição, tinha medo de que se ele soubesse a abandonava de volta na vila que tanto odiava.

Um dia andando pela cidade com o carro que comprara, parou em um bar para tomar suco, ao entrar deparou-se com a imagem de Hendrick beijando a madrasta, o chão se abriu diante de seus pés, ela queria morrer, ou melhor, usar seu Dom da Morte, saiu dali atordoada.

Chegou em casa sem entender o que estava acontecendo, queria saber se Hendrick e a madrasta já se conheciam antes dele ir em missão na vila, revirou as gavetas de todos os moveis da casa, encontrou uns papeis que confirmavam sua suspeita, eram laudos médicos no nome dela, exames que nunca chegou a fazer, esses laudos diziam que ela tinha uma grave doença e estava em tratamento.

Então era esse o plano dos moradores da vila? Casá-la com um desconhecido e depois matá-la para ficar com seu dinheiro, quem mais participará do plano além da madrasta? Pois sabia que há muito tempo os moradores da vila não recebiam nenhuma ajuda financeira do governo, estavam em crise.

Lory começou a planejar sua vingança, iria atingir onde mais doía, quando o marido chegou em casa o tratou como se nada tivesse acontecido, mesmo com ódio no coração, abraçou e o beijou, ele desviava-se dela, e ela insistiu até que ele correspondeu suas investidas, parou por ai, ela deixaria o melhor para depois.

Levantou-se de madrugada, certificou-se que o marido estava dormindo, se arrumou rapidamente, saiu de casa, pegou seu carro e dirigiu em direção a Vila, comprou dois galões de gasolina no caminho, chegou lá antes de o sol raiar, antes mesmo dos primeiros moradores levantar pra trabalhar.

Deixou o carro a uns 2 km da entrada da vila, seguiu a pé carregando os galões de gasolina, entrou na vila silenciosamente, como uma cobra pronta pra dar o bote, caminhou em direção a antiga casa, sabia onde o pai escondia as armas, entrou e pegou um revolver calibre 38, continuou no caminho que levava a igreja, a maldita igreja que a condenara a ter o dom da morte.

A porta estava aberta, não havia ninguém cuidando a portaria, entrou, andou por entre as cadeiras, sentou-se na quarta cadeira, da quarta fileira de cadeiras, do lado direito do tapete vermelho, ainda carregava a gasolina.

Lembrou-se da infância, os cochichos que as pessoas faziam quando ela passava, lembrou-se das vezes que seu pai a trancava no quarto quando tinha festas na cidade, para ela não matar ninguém, não acreditava no Deus Moloch, não acreditava que possuía o Dom da Morte, e agora casada, com o marido, depois de tanto tempo tocando nele, e ele ainda vivo, acreditava menos.

Levantou-se, caminhou até o altar do Deus Moloch, fitou sua cara de bode, e perguntou, ‘‘Você queria a mim como oferenda?’’, a estatua parecia sorrir, ‘‘Então vai ter!’’, concluiu abrindo o primeiro galão de gasolina, despejou gasolina pela Igreja, ascendeu o fogo e saiu dali.

Seguiu em direção a biblioteca pública da vila, despejou o outro galão de gasolina, poderia parecer pouco, mas as chamas se espalharam rapidamente pelos dois lugares, o mormaço do amanhecer ajudou o fogo a se alastrar.

Saindo da Vila, ainda ouviu o grito dos primeiros moradores a perceber o fogo, a esta altura era inútil tentar apagar as chamas, a vila era pequena, não tinha bombeiros, a água era escassa no verão, tinha que ser racionada, ela acabara com a fé e a cultura daquele povo.

Chegou em casa antes do meio dia Hendrick estava preocupado, segurava o telefone na mão, ‘‘O que aconteceu?’’ ela perguntou cinicamente, ‘‘A igreja e a Biblioteca de Reselandia pegaram fogo’’, ele respondeu atordoado e com cara de culpa ‘‘Onde você estava?’’, perguntou em seguida, ‘‘Na praia por quê?’’, respondeu a ele, e ele finalizando disse ‘‘Eles querem falar com você!’’.

No outro dia voltaram na Vila, juntos, Hendrick nem olhou a madrasta de Lory, e a madrasta não olhou ele, ambos sentiam o peso da culpa, os moradores da vila receberam Lory de braços abertos, todos pela primeira vez a abraçaram, e ela correspondeu os abraços e sorrisos falsos.

‘‘Deus Moloch nos abandonou’’, diziam os moradores, ‘‘Não quer que sirvamos mais a Ele, mandou o fogo como aviso’’, Lory se deu conta do que queriam, queriam dinheiro para se reerguer das cinzas, e ela assim fez, doou uma bela quantia em dinheiro para a administração da vila, perdoou todo aquele povo.

Naquele mesmo dia tivera a primeira noite de amor da vida, acordou de madrugada com um sobressalto, sentia náuseas e dor de cabeça, olhou para Hendrick que dormia e notou algo brilhando em sua testa, podia ver o movimento de seu coração, como se tivesse visão raios-X.

Mirou-se no espelho do quarto de hospede da casa de seu pai, a imagem que viu era de um anjo negro, com sua face, tinha azas negras lindas, a camisola branca transformara-se em um vestido negro, e carregava uma foice em uma das mãos, sorriu, era enfim um Ceifador, deitou do lado do amado e o abraçou, pela data estampada na testa dele, tinha muito para viver, não tocaria em seu coração com a mão de foice, pois era ali que ela o tiraria a vida.

Jane Alves - Janitcha

Blog: https://indecifravelamor.blogspot.com

Janitcha
Enviado por Janitcha em 03/11/2014
Reeditado em 03/11/2014
Código do texto: T5022289
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