487-DANIEL E O SONHO DE NABUCODONOSOR-Conto Bíblico

Daniel e seus amigos conservaram-se fieis a Javé desde os primeiros dias, quando foram colocados na corte de Nabucodonosor, o Rei da Babilônia. Os quatro rapazes — Daniel, Ananias, Misael e Azarias — eram inseparáveis tanto nas reuniões com os magos, astrólogos, matemáticos e sábios, onde aprendiam tudo da cultura dos caldeus, como juntos permaneciam para aprofundarem-se nos ensinamentos dos livros dos juizes e da Lei, ou o Torah. Discutiam com os rabinos da sinagoga e traziam novas idéias, novos conceitos, que iriam se consolidar nos escritos do Talmud da Babilônia.

Daniel era o mais aplicado e sua curiosidade não tinha limites. Adentrou-se pelos mistérios da ciência dos sábios caldeus e procurou conhecer as práticas espirituais de sacerdotes e místicos, que chegavam à Babilônia vindos das mais remotas regiões. Sua mente aguçou-se e ampliou-se. À inteligência excepcional somavam-se conhecimentos esotéricos. Adquiriu um poder de concentração inimaginável, aliado à intuição e outros dons extraordinários.

Os magos da corte de Nabucodonosor não escondiam a desconfiança ao jovem Daniel, que se tornou amigo predileto do rei. E esta situação de desconforto aumentou ainda mais depois da interpretação do sonho do poderoso imperador.

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Nabucodonosor teve um sonho que muito o impressionou. Estava numa de suas inúmeras campanhas de conquistas e o sonho caiu no esquecimento. Só muito tempo depois é que o ele se lembrou do terror que sentira ao acordar. Contudo, não conseguia lembrar-se do que sonhara. A coisa ficou roendo e aumentando na mente do imperador. Queria lembrar-se, sabia que era importante; entretanto era como se uma cortina houvesse se estendido sobre suas lembranças.

Preocupado, reuniu os sábios de todo o império e lhes disse:

— Tive um sonho mas meu espírito conturbou-se e não me lembro mais. Quero que vocês descubram o que sonhei e façam suas interpretações.

Perante o rei, o mais sábio expôs a impossibilidade da missão:

— Diga-nos o que sonhou que interpretaremos.

— Já lhes falei: não me lembro do sonho. Quero que vocês descubram o que sonhei.

— É uma tarefa impossível esta que o Rei nos propõe. Como vamos adivinhar o que sonhou?

Nabucodonosor era irascível. Sem mais cerimônia, propôs aos sábios:

— Descubram o que sonhei e façam a interpretação e eu os cobrirei de riquezas e honrarias. Caso contrário, mandarei matá-los e tomarei posse de todos seus bens, incendiando seus palácios.

Enchendo-se de coragem, o sábio dos sábios assim falou:

— Não existe homem sobre a terra que possa executar esta ordem. E nenhum rei, por mais poderoso que seja, pode pedir tal coisa a um sábio, seja adivinho, mago ou astrólogo. Somente os deuses poderão fazer tal adivinhação. E, como sabemos, eles não se preocupam com os sonhos dos homens — nem mesmo com o sonho esquecido do imperador.

Irado, Nabucodonosor levantou-se e gritou:

— Corja de astutos! Dou-lhe um prazo para que obedeçam minhas ordens. Findo o qual, se não me trouxerem a interpretação de meu sonho, serão destruídos, junto com seus bens e suas famílias.

E ali mesmo, nomeou Arioc, general do seu exército, para que vigiassem os sábios e cumprisse sua sentença.

Os sábios saíram do palácio real mudos e preocupados.

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Daniel e seus amigos não estavam presentes à conturbada reunião, fatídica para as eminências da sabedoria de Babilônia. Encontrando-se com Arioc, perguntou-lhe qual a causa de tamanha tristeza entre os sábios. Ao ser informado, correu ao palácio e, após ser admitido ao salão do rei, prostrado aos seus pés, implorou:

— Suplico com todo o respeito que me concedais algum tempo para dar solução ao que problema apresentado aos sábios.

O rei, que tinha por Daniel uma estima especial, concordou:

— Sim. Vou lhe dar o mesmo tempo que concedi aos sábios para a resposta. Se até lá não adivinhar o que sonhei e não me uma explicação, você também, Daniel, será morto como eles. Mas se adivinhar o sonho e me explicar o significado, a glória será sua e todos serão perdoados.

Enquanto os sábios, astrólogos e adivinhos se perdiam em discussões estéreis, Daniel foi para o deserto. Durante oito dias permaneceu em jejum absoluto e imerso em profunda meditação. Pela sua mente passaram, em visitação, anjos e arcanjos enviados pelo Senhor, que lhe revelaram o sonho do imperador e a sua interpretação.

Antes de terminado o prazo fixado, Daniel voltou do deserto.Estava magro e barbudo, mas seus olhos brilhavam como dois diamantes puríssimos. Purificou-se na sinagoga, antes de entrevistar-se com o rei, pois o que iria dizer seria da maior importância.

A corte foi reunida e os sábios, adivinhos e astrólogos convocados para a reunião. Daniel entrou com desenvoltura. Inclinando-se perante o rei, assim se dirigiu ao Imperador da Babilônia:

— O Rei estava preocupado com o que haveria de acontecer com o império que construíra, e como seria a sucessão de tão sábia administração através dos tempos que virão. Ao dormir, sonhou. E no sonho, o olhar se estendeu por todo o deserto. E viu, erguendo-se das areias, uma estátua gigantesca e de aspecto espantoso. A cabeça dessa estátua era do mais puro ouro, e brilhava, emitindo raios dourados em todas as direções. Já o peito e os braços, cruzados, eram de prata: o ventre e as coxas eram de cobre; e os pés eram feitos de ferro, uma parte, e a outra, de barro. De repente, vindo dos céus, uma pequena pedra atingiu o pé da a imensa estátua, justamente naquela parte que era de barro. O barro se desmanchou, e como sustentavam estatua, esta veio abaixo. Tanto o ferro, quanto o cobre, a prata e o ouro, se desfizeram na queda e se transformaram em pó, que o vento do deserto tratou de espalhar em todas as direções.

Nabucodonosor levantou-se do trono e bateu palmas.

— Agora estou me lembrando. Foi justamente este o sonho que tive e do qual já havia me esquecido. Sobe até aqui, Daniel. Quero abraçá-lo e agradecê-lo por esta lembrança.

Enquanto Daniel se alçava até o rei, murmúrios correram entre os presentes, principalmente os sábios, adivinhos e astrólogos.

— Mas quem é este jovem que imagina tão complicado caso? Tudo isto não passa de enganação. E o rei acreditou em tudo que ele disse!

— Entretanto, meu jovem Daniel, o que significa tudo isso? — Apesar de satisfeito com a adivinhação, o Rei prosseguiu, dizendo: — Ainda falta a explicação.

— Sim, Grande Rei. O significado é este: a cabeça de ouro, fulgurante e resplandecente, representa o Império da Babilônia, construído pelas conquistas e campanhas que tão bem levastes a efeito. Também representa a sabedoria com que tendes governado o Império, que brilham sobre todas as coisas e todas as pessoas, como o mais puro ouro.

O peito e braços de prata significam que outro reino sucederá ao de Nabucodonosor. Será também importante e brilhará menos que o ouro, mas enviará raios prateados em todas as direções. O ventre e as coxas de cobre indicam o terceiro reinado após o vosso, e não era o brilho nem do ouro nem da prata. Será, entretanto, um reino de guerras cruéis. De cobre serão feitas as armas dos guerreiros. Também será importante e se estenderá por todo o mundo. Os pés da grande escultura são de ferro misturados com barro. A parte da sustentação é a parte mais fraca da estátua. O quarto império se constituirá forjado com ferro. O barro dos dedos e de outras partes significa a fragilidade do novo império, que será atacado por legiões de guerreiros. A pedra que cai do céu indica que os destruidores da estátua serão enviados dos céus.

Nabucodonosor quedou-se silencioso por algum tempo. Meditava profundamente sobre o que Daniel falara. Quebrou o silêncio que pairava em todo o salão, indagando:

— Mas, então tudo será transformado em pó?

— Sim, Grande Rei. Não importa quão sabia e brilhante seja vosso governo. Não importa que os impérios que vos sucederão sejam mais fortes, mais bem constituídos e melhores equipados. No final dos tempos, todos os impérios dos homens ruirão, serão transformados em pó. O extermínio virá do alto. É a vontade de Javé que se manifestará, destruindo todos os impérios pagãos. Contra esta força nenhum império subsistirá.

Impressionado com a interpretação e as revelações de Daniel, Nabucodonosor determinou que lhe fossem prestadas grandes honrarias. Nomeou-o governador geral das províncias da Babilônia e presidente de todos os sábios e magistrados do grande império. E os amigos de Daniel — Ananias, Azarias e Misael — foram nomeados superintendentes das províncias.

Seguiu-se então um longo período de paz e prosperidade para o Império da Babilônia.

ANTÔNIO GOBBO

Conto # 487 da Série Milistórias –

Belo Horizonte, 27 de março de 2008-

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 03/11/2014
Reeditado em 03/11/2014
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