483-VOVÓ FRANKEINSTEIN- Realismo fantástico

Era linda e apaixonada pelo marido. Tão apaixonada que, caprichosamente, se submeteu a uma plástica aos quarenta anos de idade.

— Na minha opinião, não devia mexer nesse lindo rosto. Nada há a acrescentar nem retirar. — O cirurgião plástico Dr. Carl Stunner foi sincero com a cliente milionária.

— É um capricho, bem sei. Mas quero ficar como meu marido me deseja: quero ser uma pantera, uma gata, uma leoa...não só na cama, mas na aparência. — Caroline Sandbraun estava irredutível no seu propósito. — Tenho certeza que uma aparência um tanto ...felina irá despertar ainda mais a paixão de do meu marido.

O dinheiro fala mais alto do que qualquer ponderação e manda o bom senso para o infinito. A cara cirurgia — um simples repuxar de olhos para cima — feita em um dos mais conceituados centros de estética de Nova York, deixou Caroline satisfeita.

O que não contava foi com a reação do marido, ao voltar para Suíça, onde residiam.

As palavras seguiram-se ao grito de terror, ao ver a mulher transformada numa gata.

— Mas, o que é isso, Carol? Pra que foi alterar seu rosto, tão formoso?

— Fiz exclusivamente para lhe agradar. Você sempre dizia que eu sou uma pantera, uma gata. Agora, sou de verdade.

— Quanta frivolidade, My God!

O efeito foi contrário do desejado pela senhora Sandbraun. A relação entre os dois ficou estremecida. Na ânsia de voltar a ser a paixão do marido, outras cirurgias foram feitas. Ela ficou como que maníaca ou dependente de cirurgias plásticas. Seguiram-se aplicações de Botox, sete liftings e inúmeros preenchimentos, correções, esticamentos, etc., numa maratona que, em dez anos, chegou a custar quatro milhões de dólares.

— Chega! Vamos parar com isto. — E a maneira de se ver livre da mulher que era outra, bem diferente da Caroline original, foi o divórcio.

Mesmo divorciada, ou talvez, por isso mesmo, Caroline intensificou sua demanda por mais cirurgias, o que, para o cirurgião, tornou-se uma mina de ouro...ou melhor, a galinha dos ovos de ouro.

O rosto de ficou indescritível. As sobrancelhas são duas curvas ascendentes no meio da esta. Os olhos, repuxados para cima, são irregulares, um maior que o outro. A boca, também repuxada para o alto, faz a versão feminina do “O Homem que Ri”, personagem bizarro do romance de Alexandre Dumas. Os lábios assemelham-se aos de um boxeador, ao sair do ringue após sofrer ataques em 10 rounds.

É claro que nem todo o estrago no rosto da mulher foi feito pelas cirurgias: a idade foi acrescentando alguns defeitos. A obesidade, um fator genético da família, também influenciou, destacando as linhas tortuosas e avolumando as partes trabalhadas pelo bisturi

O ex-marido Ephraim Sandbraun faleceu recentemente. Caroline compareceu ao velório, onde estavam presentes os filhos e netos. Entre sussurros, Tessa, de 15 anos, irreverente e debochada, comentou com a mãe:

— Ela está quem nem Frankenstein. Por trás de tanta plástica não dá pra saber se a vovó está rindo ou está chorando.

ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 6 de março de 2008 -

Conto# 483 da Série Milistórias –

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 01/11/2014
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