476-DE CASO PENSADO- ou O Rabino Esperto
O RABINO não de se deixar enrolar. Pela segunda vez sentia que a congregação estava procurando substituí-lo. A primeira vez, há cinco anos, soubera por pessoa de sua confiança que outro rabino estava sendo sondado para novo presidente. Teve habilidade, usando até mesmo um pouco de astúcia, para evitar que as pesquisas progredissem. Mas agora, a situação era bem diferente.
Sete anos ele completara nas funções de presidente da importante Congregação Israelita, que congregava milhares de fiéis e na qual ele se sentia como um rei. Sem falar no cumprimento correto de suas funções, o exercício do cargo o elevara a uma posição de destaque, sendo reconhecido como autoridade máxima em assuntos da sua religião e porta-voz de toda a nação judaica do país.
Não era modesto nem escondia sua vaidade. Não era como os demais rabinos, de barba comprida ou expressão de seriedade no rosto. Pelo contrário, estava sempre sorridente. O rosto bem barbeado e cabelos louros, fartos, cortados à altura do pescoço, num corte moderno mais próprio para mulheres, chamado de à la homme.
Elegante no vestir, impecável na aparência, com óculos bem postos, modernos, apresentava-se sempre com o xale de franjas com sete pontas, um emblema de sua autoridade.
Mas, mesmo sendo nativo do país, falava com um sotaque inexplicável e indefinido. Seria em razão dos muitos anos em que estudara em Israel ou apenas simples esnobismo?
Agora, sentia que a Congregação estava prestes a substituí-lo. Podia notar nas reuniões da cúpula, nas expressões de diversos participantes e até mesmo na pouca repercussão que sua pregação, (sempre na busca de mais fundos) vinha tendo entre os fiéis
Os sete anos de presidência eram um patrimônio real. Não iria ser demitido assim, sem mais nem menos. Uma reparação financeira seria o mínimo que poderia esperar. Por outro lado, um ano sabático viria mesmo a calhar. Poderia viajar sem a responsabilidade do cargo, escrever sua biografia, enfim, levar uma boa vida, longe de toda preocupação.
Sim, seria ótimo. E antes mesmo que os membros da Congregação o forçassem a um pedido de demissão, faria com que esta partisse da própria Congregação. Poderia lhe render uma vultuosa indenização, pelos sete anos de serviços prestados.
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AS CONFERÊNCIAS que proferiu em Nova York, na Sinagoga mais importante da América, foram de total sucesso. Sua imagem de homem moderno, um rabino como os americanos gostam, mais o inglês impecável, as idéias atualizadas sobre todo e qualquer assunto, além do profundo conhecimento da teologia judaica, naturalmente, o elevaram ao pináculo.
Após as conferências, um merecido repouso de alguns dias, passados entre as bibliotecas, museus e lojas da grande metrópole.
Ao caminhar por uma das mais famosas lojas da cidade, ocorreu-lhe a idéia que lhe viria a proporcionar os motivos da sua demissão. Disfarçadamente, pegou três das mais caras gravatas e as colocou no bolso do pesado casaco. Ao sair, elas foram detectadas e a segurança alertada.
Uma comoção abalou a Congregação, quando a notícia foi divulgada. O Rabino-Presidente fora detido por tentar sair de uma loja sem pagar a mercadoria embolsada. Tentativa de furto. Escândalo!
A situação tinha sido contornada graças à presença de espírito do próprio rabino, que alegou momentânea perda de memória. Mas, de volta ao país e à presidência da Congregação, não houve como prosseguir no elevado cargo. Foi sumariamente destituído da presidência.
— Mas não se demite assim um Presidente da Congregação Israelita. — Foi com estas palavras que iniciou sua defesa, cuja argumentação oral durou mais de três horas. — Minha vida e minha honra estão em jogo.
Impassíveis e inabaláveis, os congregados mantiveram a decisão. Houve litígio, que não saiu do âmbito da Congregação. Um acordo trabalhista (isto é, consoante as leis que regem as relações entre patrão e empregado) foi acertado entre as partes, não sem muita discussão. As conversações duraram sete meses. Após os quais, O Rabino foi indenizado com a quantia de 7 milhões de reais.
ANTÔNIO GOBBO
Belo Horizonte, 7 de fevereiro de 2008
Conto # 476 da Série Milistórias