475-O LABIRINTO MISTERIOSO-Arqueologia
A Ilha de Mach-Holmes é apenas um agregado de rochedos na costa da Suécia. É varrida constantemente pelos ventos nórdicos pela face oeste, que se chocam contra uma pequena elevação calcária. Protegida por essa elevação, no lado oeste, pode-se ver uma casa rústica, velha mas bem conservada. Habitada por um casal de idosos, cujos filhos não seguiram a profissão do pai, pescador teimoso e turrão. Distante algumas milhas do continente, raramente é visitada por pescadores, cujos barcos passam ao largo, evitando as rochas de arestas cortantes e pontas perigosas.
Gelada no inverno, fria no verão. Os velhos, Kelson e Martha Karlen sobrevivem graças à pensão do governo sueco e das raras visitas que os filhos, e mais recentemente, os netos, lhes fazem aleatoriamente.
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— Ei, Peter, sei de um lugar tremendo para passarmos as férias. — Thomas brinca com o amigo, quando deixam a Escola de Witerclink.
— Não posso ir com você, Thomas. Já combinei com a turma de ciclistas uma viagem até a Itália. Vamos pedalando.
— Cara, o lugar é fabuloso. Uma ilha quieta, completamente isolada do mundo. Ideal para escrever e meditar. Você poderá terminar sua novela e eu vou mergulhar nos meus estudos sobre os sistemas filosóficos da Índia, China e Tibet.
Na tentativa de convencer o amigo, Tomas não diz toda a verdade sobre as duras condições de vida na ilha, que pertence ao avô. Entretanto, não foi difícil convencer Peter, realmente mais interessado em ficar num lugar sossegado, com seus cadernos e terminar o livro que vem escrevendo há alguns meses.
Ambos têm dezesseis anos, estudam na mesma classe e são companheiros inseparáveis. Peter estuda engenharia e Thomas, literatura. Estudam com afinco mas, quando as férias chegam, trocam a vida rotineira de estudantes por pequenas “aventuras” pelos arredores de Witerclink.
— E como faremos? Vamos acampar?
— Não, Peter, ficaremos na casa de meus avós. Eles moram na ilha.
— Ilha?
—É. Uma ilhota que fica a poucas milhas do litoral. Vovô e vovó moram lá. A casa é simples, mas grande. Ficaremos com eles.
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Dois dias depois do convite, eis os dois chegando à ilha. Tinham alugado um pequeno barco, que encheram de mantimentos e apetrechos necessários para a sobrevivência durante os vinte dias de permanência. São bem recebidos pelos avós de Thomas que os acomodam em um amplo quarto, com vista para o leste. Da janela, podem divisar a linha do litoral, o que, de certa forma, minimiza a sensação de solidão.
Na tarde do primeiro dia estão sentados sob algumas poucas rochas lisas do lado leste. Aves marinhas passam em vôos rasantes, mergulham no mar, saem com pequenos peixes entre os bicos. Mais ao norte, pode-se ver o habitat das gaivotas e andorinhas-do-mar.
— Que lugar tranqüilo! Parece que voltamos o tempo. = divaga Peter.
— Olhando para as nuvens, posso ver barcos vikings passando rumo ao sul.
A imaginação é fértil nessa idade.Os jovens misturam sonhos e fantasias.
— Vamos construir um forte para receber nossos guerreiros. = Sugere Peter.
— Uma fortaleza!
— Sim. Quando eles chegarem, estarão abrigados.
— Mas, como? Com que material?
— Ora, Thomas, com pedras. Veja ao redor. Pedra é o que não falta por aqui.
Entusiasmados com a idéia, não pensam duas vezes. Começam, naquele momento, deixando de lado os sonhos e as divagações, a ajuntar rochas, alinhando-as, para a constituição de um muro ou parede.
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Quase se esqueceram dos seus propósitos iniciais, meditar e escrever. Animados, em poucos dias tinham já uma quantidade notável de pedras assentadas rusticamente.
O avô, ao saber do afã dos rapazes, foi ver o projeto.
=Magnífico! Ponham mais rochas deste lado. Levem aquela parede mais para o norte. = Dava palpites, seguidos pelos moços, todos empenhados numa brincadeira saudável.
As mãos, ainda que protegidas por grossas luvas, sofreram com a lida de carregar rochas cortantes, pesadas e irregulares. Labutavam o dia inteiro, sob o sol gostoso do verão do norte, Trabalhavam sem camisa e os torsos ficaram vermelhos. Suor pingava pelos rostos. À noite, estavam exaustos mas felizes.
O que seria uma fortaleza ou castelo transformou-se numa rede de corredores tortuosos, obedecendo às irregularidades do terreno.
—Isto está mais para labirinto do que para fortaleza ou castelo.
Labirinto foi como a construção ficou sendo tratada. E o final das férias chegou sem que fosse concluído. A ilha ficou indelevelmente marcada com a bizarra construção, um corredor sem fim, de estreitas passagens possíveis apenas para uma pessoa esguia, e com altura de metro e meio, aproximadamente.
—No próximo verão, terminaremos o labirinto. — prometeram ao velho, quando deixaram a ilha, de volta à civilização.
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O retorno dos jovens não aconteceu no próximo verão, nem nos verões seguintes. Os avós de Thomas morreram e a habitação foi fechada. A ilha permaneceu como permanecera há séculos sem conta, isolada e batida pelo vento inclemente que sopra do norte sem cessar.
Pelo menos, era o que pensava Thomas, que resolveu, quarenta anos depois daquelas férias, retornar à ilha, por pura nostalgia.
—Vou ver se a ilha está no mesmo lugar. — disse a Peter, que não estava em condições de acompanhar o amigo.
Chegou sozinho à ilha. Visitou a habitação, abandonada. Examinou os arredores e foi até onde haviam construído o labirinto. Lá estavam as rochas alinhadas, tal qual haviam sido colocadas há dezenas de anos. Um pouco puídas na face leste, pelo vento que vinha do oceano. Uma placa brilhante faiscou numa das extremidades.
“Estranho. Será algum aviso?”
Aproximando-se, deparou com poste de ferro, de dois metros de altura, ao qual estava afixada uma placa de alumínio, com os seguintes dizeres:
LABIRINTO DIFÍCIL DE SE DATAR.
CONSTRUÍDO HÁ PELO MENOS CINCO SÉCULOS.
Sociedade Arqueológica de Estocolmo.
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ANTÔNIO GOBBO
São Sebastião do Paraíso, 25 de janeiro de 2008
Conto # 475 da Série Milistórias