No consultório
Segunda-feira, dez da manhã, sol arreganhado no céu azul, que agora estava branco, coberto por uma fina camada de poeira. Muitas pessoas passam tossindo pelas ruas, trocando olhares culpados: estamos fodidos.
Segunda-feira, dez da manhã, sentada no consultório médico do psiquiatra. Baumina se levantou, buscou uma revista estúpida sobre boas vibrações, otimismo, esse tipo de coisa, tomou um copo d'água e sentou novamente. O espaço era pequeno. Conseguiu contar, com muita preguiça, oito assentos. E, além dela, já estavam ali uma mulher e um cara. A mulher, negra, de uns olhos grandes e fortes, devia ter uns 35 anos. O homem, alto, branco, da mesma faixa etária, segurava um papel na mão timidamente. Baumina ficou observando os dois enquanto lia a revista, ou fingia que lia. Percebeu que um traço comum em todos ali, que não era bem um traço, mas uma sensação, uma sensação de tristeza, de pesar. E percebeu, acima de tudo (pela milésima vez) que o pesar envelhece a gente, e não envelhece pouco.
A mulher estava séria, com os lábios franzidos, e o moço só olhava para baixo, apreensivo e amargo. Só a secretária era diferente. Falava ao telefone e gargalhava. Ria muito. Estava falando com um mecânico e, ao invés de pedir um orçamento, pediu um laudo para o carro. E ria. "Moço, eu trabalho num consultório, sabe comé. Confundo tudo". E ria. "Ai, moço, desculpa. Mas então levo o carro no almoço". Desligou o telefone, rindo. "Nossa, gente, onde já se viu, né. Confundir orçamento com laudo". E ria. Claro que todos rimos um risinho fácil. Até porque, se for ver, é engraçado mesmo. Mas foi um riso fácil, momentâneo. Logo depois, o silêncio voltou a reinar, e os três pacientes muito pacientes (iria demorar um pouco) finalmente podiam respirar em paz sem forçar a barra pra nada. Mas eis que passa um rapaz, lá longe, de bicicleta. Dava para ouvir as rodas e um longo assovio. Um cantarolar bonito, até. Assoviava feliz da vida, boné na cabeça, calça comprida, camiseta preta. Como eu disse, não apenas assoviava, mas assoviava FELIZ DA VIDA. A mulher olhou pra Baumina, que olhou pro cara tristonho, que por sua vez olhou para a mulher. Imediatamente sentiram uma cumplicidade, uma felicidade na tristeza, uma ligação além da timidez. Os três fizeram cara feia, carrancudos. Hesitaram. Mas, aos poucos, o despertar do assovio insistente esboçou um sorrisinho besta.
Ainda existe gente feliz, afinal.