1984
A última imagem que lembrava dela era no fundo do navio. Este cheio de tantas tralhas, mas jóias também
Enquanto a água a submergia ele encontrava ar para respirar, no alto do barco. Ela mantinha os olhos fixos nele, não importa o quanto afundava ou a água turvava sua visão
Não havia censura, sabiam que ela havia de morrer para que ele pudesse viver
O barco era a visão dela e a imensidão o navio do rapaz
Ele podia afundar com ela
Podia tentar salvá-la...
Já o havia feito por outras inúmeras vezes neste sonho recorrente
Mas era mais do mesmo, aqueles sonhos em que há uma comunicação com o sonhador e o sonhado
Aqueles em que você acorda ainda acreditando na veracidade das idéias e achando válidas à sua consciência.
Ela era tão freqüente em seus escapes de realidade que ele não tinha plena certeza de que era ou não real, se tinha vivido ou até tocado-a
Em suas divagações, costumava retornar ao abismo entre seus mundos
Lembrar as cenas fora do navio, talvez reais, vezes banais:
Num quarto alugado
Ela pegou sua roupa e jogou de lado com desdém falso
Tinha no corpo um imã indefinível, indecifrável
Mas na verdade ele mal olhou praquele corpo
Por estar tomado pelo seu gesto
Os gestos o hipnotizavam, apesar do calor de sua pele nunca esvair de qualquer outra degustação
Ela não entendia este ato dele
De não render-se à sua arma.
Sua tirania era tamanha que não se deixava morrer no navio
Nem no quarto alugado, nem no remoto passado
Pois o romantismo egoísta que sentia era mais saboroso ao saber que sempre seria memoriada em alguma escrita displicente