A Janela dos Sonhos

A janela está aberta. Espia adiante e admira as belíssimas árvores de copas arredondadas, balançando seus ramos ao sabor dos ventos. Percebe a bulha alvoroçada dos passarinhos no ruidoso dia azul. Há um concerto de trinados, empolgante e interminável. Borboletas envaidecidas esnobam charme e cores, no voo deslumbrante de encher os olhos.

Não ignores, também, a trilha de chão batido onde o som dos cascos do gado retine e levanta poeira no interior do curral. Ouves, acaso, a melodia rasgada do peito do reparador dos animais? Na manhã iniciante o percurso é longo, bois e vacas afastam os insetos com suas caudas inquietas, e vão mugindo, num pedido de fazer dó, pela quebra do jejum já a esperá-los após a curva, rico de matinho verde e abundante.

Repara novamente a janela. O frescor da tarde vem das sombras em formas de leque, ao desenhar o contorno dos arvoredos na areia fina e macia esparramada em suas raízes.

Subitamente deste conta de uma leva de moleques, garotinhos e garotinhas a saltitar no terreno arborizado, sua algazarra é festa revigorante, pois lembra inocência e liberdade? Rodopios, salto com varas, corre pra cá, corre pra lá, ciranda, cirandinha, quem-me-pega? - e mais uma infinidade de invencionices do imaginário infantil, pergunta-se: há dinheiro que pague?

O corretor de imóveis tentava vender a casa de uma maneira diferente, valorizando o que o dinheiro não compra nem o impulso questiona. A valia está na percepção da pureza, na singularidade dos acontecimentos diários.

A candidata a compradora, uma senhora avançada na idade e por tudo indicava buscar o final dos seus dias na companhia de inabalável sossego, apoiou o queixo pontiagudo sobre o lado interno de uma das mãos, respirou profundamente, sequer apurou o tempo gasto na negociação, lembrou apenas que ainda não almoçara, e “bateu o martelo”:

“Vou ficar com a casa, sim. Refletindo sobre todas as vantagens oferecidas, o estado de seus cômodos, a resistência e estrutura das paredes; vou decidir em comprar pelo simples fato dela possuir algo que não precise de restauração: o retorno da minha infância invadindo a janela, dia após dia!”

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 10/10/2014
Código do texto: T4993948
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