Renascimento

A vida de casado de Marinilda e Francisco era muito difícil, mas não era porque ela era moça vinda do interior e ele da periferia da cidade, visto que as afinidades culturais bem próximas, nisto também os juntava, além é claro, que como se diz no meio, a química os fez olhar um para o outro. Assim não demorou muito para os dois estarem de redes atadas na mesma palafita.

Acontece que o dia a dia, a vida tornando-se mais dura com filhos e falta de emprego, com empregos sem especialização, às vezes, não é o suficiente para se ter uma seguridade e ai com certeza tudo vira um tsunami para qualquer mortal.

Marinilda não deu para estudar e foi fazer diária, lavar roupa e ser dona de casa. Coisa que ela não era muito amante. Pois o tal de Passar roupa, de enxuliar, de tomar conta de moleque, de fazer comida e ainda está bela para quando o dono da casa chegar matava a moça de desespero. Até se tentava entender, pois ela foi criada com os mimos do pai e da mãe agricultores sonhando verem a filha como cinderela, cultivando a idéia do castelo. Porém a cidade, não é bem a mata, mas sim uma selva. Onde uns se não fizerem por onde, são tragados sem compaixão e outros são jogados pelos cantos de qualquer canção. Era a vida, que embora ela não tivesse pedido, mas por suas desqualificações educacionais e técnicas, na cidade à moça foi imposta.

Já Francisco não tão menos agraciado, pois não conheceu seus pais, foi criado por uma tia e foi forçado a terminar ao menos o seu segundo grau, era pedreiro, mas tinha o certificado de marceneiro, coisa que não se identificava e nem buscava sustento. De forma, que passava o dia todo na labuta de sol a sol, quando chegava em casa, influenciado pela televisão, queria uma mulher perfeita, com filhos ótimos, com comida de novela e um apartamento sobre o canal do esgoto a céu aberto que ele residia, que na verdade, dentro da realidade era forrado com paredes de zinco, papelão e plástico e aquela vizinhança, de bandidos e traficantes, soava para ele como nos prédios da ficção cientifica.

Pela raiz do seu trabalho chegava de cabeça quente, discutia com a mulher e ia para o bar aliviar a mente. Lá encontrava os amigos de farra, seu Tonhão, Framboesa e Papagaio, eram os seus amigos apelidados, mas que podia contar com eles para o que dera e viesse. Ai bebia todas, chegava em casa, enquanto não havia Maria da Penha, sentava a bofetada em Marinilda, botavas as crias para correr para casa dos vizinhos e detonava todas as cacocoisas que eles tinham. Depois deitava-se no chão dormia e outras coisas mais por lá fazia. Pela manhã nada sabia, não lembrava, mas outra vez abraçava as crias e a Marinilda coitada, de olho arroxeado, escoriações pelo corpo, dele, calada se despedia.

Pela espreita sempre tinha o seu João, enquanto o Francisco saia para o trabalho aquele gentil senhor a fazia imaginar com o Castelo dos sonhos. Assim, sendo por ali, vai e vem, caiu na boca do povo e depois na do Tonhão, Framboesa e Papagaio, que de imediato falaram ao Francisco.

Sem muita estória espancou a mulher e procurou seu João que estava longe da polícia. Dai em diante, dizia o pessoal que foi Tonhão, que foi, que foi aumentando a fila.

Certa vez angustiado, pensando nas fuxicadas Francisco chegou do trabalho já mamado, não quebrou nada, não bateu em ninguém e seguiu só em direção a torre da caixa d’ água. Lá subiu sorrateiramente e do alto dessa caixa d”água ele gritava:

- Maria não me judia, Maria.

Volta pra mim Maria, do contrário vou me matar.

Uma aglomeração expressiva aguardava o bombeiro chegar no local, quando o negociador chegou pedia para o rapaz ter calma, parece que ai é que a peste mais se mordia.Quando alguém teve a Idéia de chamar a sua mulher, seus vizinhos, seus filhos e seus amigos.

Ao vê-los ele parou no canto da caixa d’ água, baixou a cabeça quase matando todos em baixo de susto e repetiu:

- Maria não judia de eu não Judia.

- Vorta mulher, que eu te quero noite e dia.

Maria então falou:

- Desgraçado sai daí peste.

- tu não ta vendo a televisão.

- Tu num tem respeito. Os teus filhos estão aqui chorando o homi.

Tu sabes que não adianta chorar eu não vorto. E tem mais, vê se pensa nos meninos e sai de uma vez daí de cima, diacho, que Deus te deu duas pernas e dois braços, eu por tudo o que tu me fez. Eu te dei um par de chifres e não de asas.