A Construção do Saber

O homem alisa uma palma da mão sobre a outra, sente a ondulação de seus calos e mergulha numa profunda lembrança do que fez na vida. Trabalhou desde moço levantando e rebocando paredes, sua existência quase toda passou no interior de canteiros de obras.

Na cidadezinha onde mora, vários feitos seus apontam para o céu: a torrezinha da igreja, o sobrado da prefeitura, o casarão de um famoso criador de gado, entre tantos. Um filete de água salgada escorre de seus olhos baços, lágrimas acesas pela chama do dever cumprido com orgulho e amor à profissão.

Senta-se em uma cadeira com encosto de tábua e sem braços, na calçadinha de cimento da sua casa, rente à porta da fachada. Contempla no final da tarde o belíssimo espetáculo do sol isolando-se atrás das montanhas e assiste, maravilhado, aos minúsculos pontos brilhantes piscarem no infinito, já envolvido pela aragem característica da noite recém-chegada.

Adiante, ali na extensão da rua principal, aguça a visão para um grupo de operários que marcham a passos largos na saída da fábrica após um extenuante dia de trabalho. Parece um bando de ovelhas tangidas para o local de repouso, tal é o burburinho e a desordenação dos elementos.

Coça o topo da cabeça e pensa: “A vida é uma verdadeira betoneira – aquela máquina que eu usava para misturar pedra, cimento, areia e água para fazer o concreto -, que ficava sempre girando, girando e fazendo um barulho danado. Após a produção da mistura, todo o conteúdo era jogado fora e outra leva de materiais entrava em sua boca e começava tudo de novo.”

Aperta os olhos em função da vista cansada e através das lentes dos óculos confere as horas no velho relógio de pulso. Os ponteiros se encontram no número seis. “Seis e meia, - pensou novamente – hora de levantar este velho esqueleto e começar a andar.”

Guarda a cadeira no interior da casa, beija a mulher, que corresponde com um sorriso afável, faz um carinho no papo do cão estirado no piso da sala e ganha a rua.

Não mais carrega nas mãos a colher de pedreiro, nem o prumo de centro ou desempenadeira, suas antigas ferramentas de trabalho. Além do sorriso estampado no rosto, leva também o material escolar utilizado no colégio em que estuda: seu novo canteiro de edificação do saber e do conhecimento.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 08/10/2014
Reeditado em 08/10/2014
Código do texto: T4991529
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