O Vaso Transparente

Na casa dos meus avós paternos havia uma cristaleira feita em madeira maciça onde uma límpida vidraça exibia, qual uma vitrine de loja, belíssimos objetos finos como taças e copos de cristais, bibelôs, preciosidades.

Jazia imponentemente a um canto da sala e, fato curioso, a primeira mira de qualquer visitante, era sempre dirigida para um vaso transparente, ajeitado meticulosamente com o propósito de causar o primeiro impacto visual.

Vovó lustrava diariamente o móvel com tanto carinho! Passava horas a fio polindo com um joguinho de flanelas todo o conjunto ali armazenado, demorando-se mais ainda na remoção do pó das partes externas e internas do vaso transparente.

Após a exaustiva tarefa, cuidava em alinhar um cartaz emplastificado – que pendia amarrado por uma cordinha de couro fincada no teto do armário - contendo dizeres na parte central, feitos em belíssima letra, onde se lia: “Deposite sua fé e seu pensamento no vaso.”

Havia quem não desse importância alguma ao aviso, ignorando-o por completo; outros, davam uma olhadela e tomavam qualquer rumo de prosa a pretexto de acomodar-se na casa.

Nós da família já bem sabíamos o teor daquela mensagem, mas sempre cuidávamos em avaliar as particularidades de cada visitante e o seu comportamento perante o cartaz.

Vovô de quando em quando jogava seu jargão filosófico: “Como as atitudes revelam a personalidade de cada indivíduo!” - e ausentava-se refletindo sobre o comportamento da Humanidade.

Certa vez recebemos a visita de um antigo companheiro do vovô, do tempo em que dividiam o mesmo banco escolar. Trocaram um caloroso abraço e, antes sequer fôssemos apresentados, o amigo de longas datas vislumbrou o vaso, leu o texto, pôs a mão no queixo, o olhar vazio buscando alguma coisa oculta no passado, e soltou essa, acompanhada de uma sonora risada: “É, meu grande velho, eis porque mantemos nossa amizade ao longo das eras: nutrimos a sinceridade em tudo o que almejamos conquistar.”

“Tudo tão transparente como esse vaso que ornamenta a tua cristaleira!”

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 08/10/2014
Código do texto: T4991522
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