A Praça dos Desejos

A brincadeira do Quem-tem-mais-sou-eu era bastante conhecida pelos moleques do bairro. Consistia na divisão de grupos de meninos espalhados na Praça dos Desejos e cada participante, na velocidade em que o pensamento permitia, se apropriava de qualquer objeto, imóvel ou não. Fosse um pássaro errante, uma pipa saracoteando no ar, um avião projetando sua linha de voo, a água deslizante de um regato, a sombra de uma frondosa árvore, um carro de cores exuberantes, enfim, tudo, tudo era permitido apoderar-se, sendo seu real proprietário quem primeiro pronunciasse o desejo de tomar posse.

Os encantamentos da infância permitem isso. A beleza despertada pode ter um dono e senhor, porque o universo infantil não determina limites à liberdade, ao abrir-se do coração, aos vislumbres do espírito.

E ali se reuniam todos os domingos os catadores de objetos, os donos das esperanças mil. Encostado no ladinho de cada participante ficava um volumoso saco onde seriam guardados os tesouros da imaginação, jamais transbordariam posto a fertilidade do imaginário de uma criança ser infindável.

Certa vez o céu foi disputado com toda sua abóboda azul! O vozerio dos meninos ecoou pelos becos, pelas emendas das portas e janelas das casas, encrespou pelos telhados irregulares: “É meu! É meu! É meuuuuuuuu!” – e a questão foi resolvida sabiamente, pois dividiram o espaço celeste em partes iguais contentando a todos.

Um bando de pardais surgiu da direção norte e aquietou-se nos galhos espalhados da centenária mangueira e a cena provocou uma alucinação geral, tamanha foi a exuberância do acontecimento, chegou a emudecer a todos os pirralhos.

É certo saberem os concorrentes terem os sacos bastante volumosos, mas Paulinho num gesto quase incontido gritou: “É meu! – e ensacou as dezenas de pardais e a mangueira bojuda, elegendo-se o ganhador da brincadeira do Quem-tem-mais-sou-eu.

Os outros meninos concordaram, mas sabiam vencedores do próximo torneio.