O Guardião das Marés

A face do dia apresenta-se ensolarada, tufos de algodão bem alvinhos movem-se vagarosamente no céu de um azul bem vivo, radiante e belo. Pontilhões em bandos marcam o voo exuberante das gaivotas zoadentas à cata de comida, ao mesmo tempo em que anunciam a presença da vida no dia recém-nascido.

No madeirame à moda de ponte um homem de cabelos grisalhos finca os olhos na linha do horizonte, justamente no risquinho que Deus criou para unir céu e mar. Seus pensamentos se perdem no infinito, confundem-se com o vaivém das crespas ondas arrebentando-se no paredão do cais.

Há uma casinhola pintada a cal metida no meio da vila, adormecida ainda, e ali é a moradia do homem pensativo... Lá dentro, aos primeiros rubores da manhã, estão a passear no mundo dos sonhos sua mulher e seus três filhos.

Um imenso navio corta as águas a meia distância, e o alvoroço provocado pela tripulação devolve o homem de volta à realidade, e eis que o velho pensador retesa o corpo e se põe de pé, espreguiçando-se para repor tudo no lugar e energizar-se para mais um dia de trabalho.

Protege a cabeça com o chapéu de palha, afivela bem as sandálias, estica as mangas da camisa até alcançarem os punhos; segura fortemente em uma das mãos a vara de macambira com um metal pontiagudo atado à ponta e na outra arrasta um grande saco de lona, dando um início a uma longa caminhada em toda a extensão da praia.

O velho peregrino das areias tem a missão de deixar livre de qualquer impureza a orla marítima e, como vantagem adicional, pode vender alguns materiais coletados considerados recicláveis, seja de papel, metal, plástico ou vidro.

Ao final do dia, já bastante cansado, aporta em casa com o saco quase transbordando do material recolhido.

É recebido com um caloroso abraço da esposa, que já pôs na mesa uma suculenta sopa de cabeça de peixe, e os filhos enroscam-se em suas pernas, saltitando festivamente.

Uma recepção solene, repleta de carinho, ao guardião das marés.