O Canto Livre

Voa pássaro azul, ganha os céus, goza toda tua liberdade! Os frutos silvestres esperam as estocadas do teu biquinho para alimentar a fome e os riachos escorrem gorgolejando entre as pedras para saciar a sede. Não mais te pertence a prisão de palitos e arames em que o menino mau te alojou.

Terás a doce companhia da tua espécie! Em bandos, virão batendo as asinhas saudando festivamente o teu regresso, a alegria plena da tua companhia.

O menino que te capturou não sabia o mau que te fez ao jogar-te dentro da gaiola. Ele apenas queria usufruir da exuberância de tuas plumas e da sonoridade do teu belíssimo canto.

Fez isto porque outros coleguinhas também o faziam. Menino faz coisas que outro menino faz, imitam adultos também. Mas aquele que te deteve sentiu que algo não ia bem.

Ele teve a sensibilidade de perceber a tristeza envolvente em teu minúsculo corpo - já não expressavas vida! - e o teu cantar, concluiu, inspirava compaixão. Já não bicavas quase as frutinhas que ele depositava no caixote e mal bebericavas a água estagnada nos recipientes.

Congelou sua alma ao avistar a presença de um companheiro aproximar-se do teu alojamento, e reparou o quanto te depenaste de alvoroço e contentamento. Quando o coleguinha partiu alçando seu voo rumo ao campo, copiosamente choraste uma canção de despedida.

Tua plumagem azulada ondula agora na amplidão dos céus e dá gosto ouvir tuas melodias enquanto descansas empoleirado nos arbustos das acácias amarelas, seja nas manhãs douradas de sol ou mesmo no sombreado das tardes carregadas de mormaço.

O garoto prometeu a si mesmo jamais repetir tal façanha. Entende o quanto é lamentável enclausurar uma frágil criaturinha de Deus, de raríssima beleza, tal como se fosse um cromo colado num álbum de figurinhas.

Há entretenimentos inúmeros para satisfazer as fantasias de seu universo juvenil, sem que para isso provoque o mal-estar e a insatisfação de tão lindas peças que o Criador generosamente ofertou para encher os olhos e o espírito de seus admiradores diversos.